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refém da burocracia, cidadão paga caro e mico ao mesmo tempo

Orlando

19/02/2015 09h11

cena I
às 22h30 de domingo retrasado somos parados pela polícia rodoviária de boracéia, litoral norte de são paulo.
um jovem soldado me pede os documentos e constata que o licenciamento do carro estava vencido desde novembro.
falha minha, esqueço todos os anos de pagar o licenciamento no prazo. não vem boleto, aviso ou qualquer sinal de fumaça e acabo por esquecer.

muito educadamente ele diz que devemos ligar para alguém vir nos buscar porque o carro vai ser apreendido.
como assim apreendido? lavra a multa e amanhã cedo resolvo o documento. o carro está todo em ordem, minha habilitação está em dia, estou sóbrio e de óculos!
não teve acordo.
é a lei.
argumentei que não haveria ninguém que pudesse, àquela hora, se desbarrancar de são paulo para nos resgatar. na real, a quem vc pode recorrer a qualquer hora do dia ou da noite e pedir que largue tudo para ir até bertioga lhe buscar porque vc se esqueceu de pagar um bendito imposto?
os senhores podem pegar um ônibus, sugeriu o jovem.
alou?!?!

nossa sorte foi que amigos saíram 10 minutos depois de toque-toque, nos encontraram naquela situação na beira da estrada e nos aliviaram do peso de uma volta brancaleônica pra casa.
um outro policial, também muito educado, me explicou o passo a passo da burocra enquanto concordava com o absurdo da lei.
na argentina é diferente, disse ele. o senhor já foi pra lá? – perguntou.

na manhã seguinte, às 8h estava eu na porta do poupa tempo. em 50 minutos estava com o documento devidamente quitado e no bolso.
se as coisas no brasil funcionassem como o poupa tempo, tudo seria muito diferente!
bom, foram-se perto de 180 reais.
voltei para casa. a segunda etapa era ligar para o pátio em bertioga para saber quanto eu deveria pagar pelo guincho.
o atendente demorou para localizar o protocolo já que o carro havia dado entrada já era pra lá de meia noite.
e o que tenho eu a ver com o peixe?, pensei.
quase 340 reais mais pobre, tiro 2 cópias de minha habilitação, do documento do carro, imprimo o recibo do pagamento do guincho, junto com a via de infração e sigo, de taxi (mais 200 dilmas, na brodagem), até um posto rodoviário perto de bertioga.
duas horas e trelelé depois, estou diante de um policial de meia idade que confere minha papelada.
tivesse chegado meia hora antes, teria que esperar. estariam em hora de almoço
ele preenche à mão outra guia, prende tudo com um clipe e diz que o pátio fica a 8 km no sentido santos.
o pátio, de uma terceirizada, tem um balcão comprido com um vidro espelhado na frente. vc precisa se abaixar para ver se tem alguém ali para atendê-lo.
na fila, um grupo de homens e mulheres discute como fazer para pagar as taxas e trazer os comprovantes de volta a fim de retirar seus veículos também confiscados.
nada perto, nada fácil, nada informatizado.
esperei ser chamado num lugar que parecia a ante-sala do inferno de quente.
para liberar o carro vc tem que assinar um documento que atesta que o veículo está sendo entregue perfeito como entrou.
vc quer que eu olhe o motor para ver se nada foi retirado ou trocado? – disse ao entediado manobrista.
vcs poderiam pelo menos ter lavado… – brinquei antes de pegar a serra de volta e de ter perdido um dia inteiro de trabalho.

 

cena II
juquitiba, 1h30 – estou lendo na sala quando escuto um estouro na rua e a luz se apaga.
lanterna e conta na mão, ligo para a aes eletropaulo.
feita a reclamação, o atendente diz que uma equipe de emergência está indo para o local.
vemos que uma árvore havia caído e que, provavelmente, algum galho triscou a rede causando o curto que desligou a chave do transformador.
às 7h da manhã o telefone toca. é alguém da empresa querendo saber se a energia havia sido normalizada.
não.
às 10h, outro telefonema informando que estão a caminho.
às 13h, sem notícias, ligo novamente para a eletropaulo que abre novo pedido.
o mesmo para mais quatro ligações feitas até a noite.
os atendentes não têm acesso a movimento nenhum, não sabem onde estão as equipes de atendimento, nem têm acesso a qualquer outra informação.
então, abrem novos pedidos com novos números de protocolo que não servirão para nada.
hoje, às 7h30, 30 horas depois do desligamento do fusível e ainda sem energia elétrica, volto ao telefone.
passo a passo de gravações, novo número de protocolo, a atendente refém de uma situação que não lhe permite nada além de repetir as mesmas cantilenas que já sei de cor, diz que vai passar o caso para seu supervisor. o mesmo, provavelmente, que os atendentes de ontem disseram não ter acesso.
meia hora depois, recebo uma ligação no celular. é uma gravação dizendo que meu pedido será atendido prontamente.
neste instante,  31 horas e meia depois, resta esperar enquanto botamos tudo da geladeira e do freezer no lixo.

 

 

 

 

 

Sobre o autor

Orlando Pedroso é artista gráfico e ilustrador, trabalhou com praticamente todas as publicações da grande imprensa. Foi colaborador da Folha de S. Paulo de 1985 a 2011. Ilustrou mais de 60 livros infanto-juvenis e é co-autor de “Livro dos Segundos Socorros” e “Não Vou Dormir” – finalista do prêmio Jabuti de 2007 nas categorias “ilustração” e “melhor livro”. Foi vencedor do Prêmio HQ Mix de melhor ilustrador nos anos de 2001, 2005 e 2006. Expôs nas mostras individuais como “Como o Diabo Gosta”(1997) , “Olha o Passarinho!”(2001), “Uns Desenhos” e “Ôtros Desenhos” (2007). Em 2008, faz uma exposição retrospectiva de 30 anos de trabalho como artista convidado do 35º Salão de Humor de Piracicaba.- É autor dos livros Moças Finas, Árvres e do infantil Vida Simples, e membro do conselho da SIB – Sociedade dos Ilustradores do Brasil.

Sobre o blog

Este blog trata de artes gráficas, ilustração, cartum, quadrinhos e assuntos aleatórios.

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