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o estranho caso da conjuntivite que virou alergia

Orlando

13/01/2014 11h01

Cacto 72

francisco diamantino é caseiro. tem 52 anos, boa parte deles vivido fora do ceará, sua terra natal.
no domingo ajudou na poda de um cacto que estava ficando gigante na entrada do sítio. a cada corte do facão, o leite derramava com gosto, sem economia.
serviço feito, restos e pedaços do cacto foram recolhidos e apartados.

mais tarde, banho tomado, aparece o francisco com os olhos deste tamanho. praticamente um japonês com hematomas.
seguimos para o hospital para ver do que se tratava. pega senha, cartão do sus, espera ser chamado, preenche ficha, aguarda de novo.
chegado o número, entramos na sala do médico, um senhor comprido, de cabelos brancos e lisos, camiseta amarela puída, jeans, tênis e sem jaleco.

– o que foi, francisco? pergunta ele olhando para a ficha.

francisco conta que mexeu com um cacto e que quando foi tomar banho, ao lavar o rosto, os olhos começaram a inchar e arder.

– tá com cara de conjuntivite, disse o doutor sem olhar para o paciente.

ingenuamente, francisco disse que não, que ele nunca tinha tido aquilo e que não podia ser.

sem dar bola, enquanto começa a prescrever a receita, o médico diz:

– é assim mesmo. o senhor trabalha?

francisco diz que sim.

– é registrado?

ele e eu respondemos juntos que sim.

finalmente percebendo minha presença, perguntou:

– o senhor é patrão dele?

respondi que sim.

ainda sem olhar para o francisco escrevia na receita.

falei:

– doutor, a conjuntivite não vai dando uns sinais? começa irritando meio devagar, ficando vermelho…
ele estava bem e, de repente o olho inchou. coincidentemente depois de mexer com o cacto.

no mesmo instante, sem resistência,  ele empurrou o bloquinho de receitas pro lado, pegou a ficha e enquanto escrevia, disse:

– bom, vou pedir, então, uma lavagem e uma injeção de anti-alérgico.

assim, desse jeito.

meia hora de espera, a enfermeira chamou, aplicou duas injeções cavalares, pingou colírio e o encaminhou para outra sala onde foi feita uma lavagem com soro.
na volta, francisco mal conseguia abrir os olhos de tanto sono.

no dia seguinte ele amanheceu novo.
e eu com vontade de buscar meu diploma de clínico geral.

Sobre o autor

Orlando Pedroso é artista gráfico e ilustrador, trabalhou com praticamente todas as publicações da grande imprensa. Foi colaborador da Folha de S. Paulo de 1985 a 2011. Ilustrou mais de 60 livros infanto-juvenis e é co-autor de “Livro dos Segundos Socorros” e “Não Vou Dormir” – finalista do prêmio Jabuti de 2007 nas categorias “ilustração” e “melhor livro”. Foi vencedor do Prêmio HQ Mix de melhor ilustrador nos anos de 2001, 2005 e 2006. Expôs nas mostras individuais como “Como o Diabo Gosta”(1997) , “Olha o Passarinho!”(2001), “Uns Desenhos” e “Ôtros Desenhos” (2007). Em 2008, faz uma exposição retrospectiva de 30 anos de trabalho como artista convidado do 35º Salão de Humor de Piracicaba.- É autor dos livros Moças Finas, Árvres e do infantil Vida Simples, e membro do conselho da SIB – Sociedade dos Ilustradores do Brasil.

Sobre o blog

Este blog trata de artes gráficas, ilustração, cartum, quadrinhos e assuntos aleatórios.

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