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achar o estilo é doloroso mas tem que ser divertido

Orlando

22/10/2013 11h27

a freira entrega desenhos de pintinhos e lápis de cor para as crianças pintarem e serem expostos em um dos corredores do colégio.
– está errado, diz a freira para uma das meninas que insiste em pintar seu pintinho de vermelho. pinta de novo.
e, de novo, outro pintinho vermelho.
– por que vc está pintando seu desenho de vermelho, menina?
– se eu pintar de amarelo, como vou saber qual é o meu?

essa história me foi contada pelo amigo e colega angelo shuman e aconteceu com sua esposa.
acabo sempre usando esse exemplo para falar sobre estilo, esse fantasma que assombra dez entre dez desenhistas.
são pouquíssimos aqueles que nascem com o desenho pronto. na maior parte das vezes, entendermos o que é e como deve ser nosso desenho é um parto longo e doloroso.
vemos trabalhos de um, de outro e mais outro e queremos ser todos eles num só o que seria impossível.
bem, impossível, não. podemos desenhar de várias formas mas chegar a um estilo próprio, ser reconhecido pelo traço, é outra coisa.

sempre defendi que a gente deve copiar muito todos aqueles artistas que gostamos. a grosso modo, tudo já foi inventado e vc não precisa inventar a roda de novo, não é?
copiar faz parte do estudo. entender como fulano resolve as mãos, como sicrano resolve os cenários, qual técnica é a mais confortável, qual é o material o mais adequado.
copiar, experimentar e ir colocando tudo no funil sempre me pareceu a melhor forma de se chegar a algum lugar perto de nossa essência.
quando a gente é garoto, copiar não é vergonha. é aprendizado e eu copiei muito. steadman, scarfe, steinberg, folon, negreiros, laerte, henfil, juarez machado, jaguar além de ter uma fixação quase doentia por estátuas gregas.
essas estátuas têm toda a anatomia e dramaticidade que precisamos para entender o corpo humano.
o pai de meu melhor amigo do ginásio colecionava a revista fairplay que também era outra boa fonte para a compreensão do corpo humano, se é que vc me entende. foram-me muito úteis mas essa é outra história.

na redação da folha, com a mariza dias costa, o spacca, fernando gonsales, glauco, emílio damiani, osvaldo pavanelli e tantos outros, a troca de informações era intensa. de alguma forma todos influenciavam todos porque desenhávamos ali, um de frente pro outro.
eu já era profissional fazia dez anos e continuava com as mesmas crises do início de carreira. achava que tinha boas idéias, tinha curiosidade mas todas as tentativas que fazia acabavam na sempre eterna frustração de não ter um traço definido, de não ter meu próprio estilo.

somente em 1997, com a exposição "como o diabo gosta" os sinos tocaram.
percebi que, até então, o que eu chamo de "inteligência gráfica" havia ficado num segundo plano em prol de um desenho certinho, do não querer errar.
só aí pude perceber que, se meu desenho tinha um mérito, era o de poder usar o erro a seu favor.
as experiências, apesar de parecidas, são absolutamente pessoais e cada um de nós terá algo sofrido para contar.

claro que as crises ainda ficam à espreita.
o medo de a fonte secar, de o desenho ficar velho, de não ser mais reconhecido.
o medo.
mas o medo pode nos deixar mais alerta.

talvez o melhor seja termos claro que nosso desenho nunca estará totalmente pronto. sempre que aprendemos algo, ele se modifica.
como mostra o vídeo das meninas ali em cima, cada um tem seu jeito de fazer.
se a gente conseguir se divertir com isso, melhor.

 

 

 

 

Sobre o autor

Orlando Pedroso é artista gráfico e ilustrador, trabalhou com praticamente todas as publicações da grande imprensa. Foi colaborador da Folha de S. Paulo de 1985 a 2011. Ilustrou mais de 60 livros infanto-juvenis e é co-autor de “Livro dos Segundos Socorros” e “Não Vou Dormir” – finalista do prêmio Jabuti de 2007 nas categorias “ilustração” e “melhor livro”. Foi vencedor do Prêmio HQ Mix de melhor ilustrador nos anos de 2001, 2005 e 2006. Expôs nas mostras individuais como “Como o Diabo Gosta”(1997) , “Olha o Passarinho!”(2001), “Uns Desenhos” e “Ôtros Desenhos” (2007). Em 2008, faz uma exposição retrospectiva de 30 anos de trabalho como artista convidado do 35º Salão de Humor de Piracicaba.- É autor dos livros Moças Finas, Árvres e do infantil Vida Simples, e membro do conselho da SIB – Sociedade dos Ilustradores do Brasil.

Sobre o blog

Este blog trata de artes gráficas, ilustração, cartum, quadrinhos e assuntos aleatórios.

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