Topo

Histórico

Categorias

e quando te procuram prum trampo?

Orlando

25/09/2013 08h00

usado especialmente no meio publicitário, a palavra "job" sempre designou exatamente o que ela quer dizer em português: trabalho.
meio pedante, é apenas um de tantos outros anglicismos usados dentro das agências e que acabam por fazer parte do hoje morno charme que a publicidade pretende ter.
uma vez, num simpósio cheio de senhores perfumados e de cabelos glostorados, aprendi que a publicidade deve fazer o consumidor acreditar que ele sempre pode subir um degrau (step) a mais. a publicidade deve pegá-lo pela mão e levá-lo ao topo. do consumo, claro.
tendo rolado tantos degraus abaixo nos últimos anos, publicitários e consumidores ainda parecem acreditar nessa parceria mesmo que dando as mãos para não despencarem da escada e de seus sonhos.

na ponta pobre dessa história tem o "serviço".
alguns profissionais liberais ainda usam essa palavra antiga e de conotação braçal para designar seu "trabalho".
tô cheio de serviço ou vou fazer um serviço dão a impressão de que vc tem um tanto de massa para preparar antes de levantar um muro ou encher uma laje.
"serviço", apesar de nobre afazer, dá uma despencada no glamour de qualquer profissão, não é?

mas agora, há uma outra denominação: trampo.
não que trampo seja uma palavra nova mas ela não era, exatamente, usada por profissionais e é aqui que começa nossa história.
não é incomum vc se deparar com um email cujo subject seja: "trampo para a revista tal".
ou ainda um pedido de orçamento nestes termos:
"meu, tenho um trampo aqui e queria que vc fizesse um orçamento."
ou ainda:
"meu, tenho um trampo aqui e queria que vc fizesse um orçamento.
não tenho ainda o briefing nem como vai ser usado mas se vc puder ir adiantando essas partes, ia ser bom."

ficou fácil, né?
vc orça alguma coisa que não sabe o que é, nem o que vai dar de trabalho, nem como vai ser usado, nem como vai ser veiculado.
é só um trampo.
um quilo de trampo.
dá o preço do quilo que depois a gente multiplica e faz um bem bolado.

mais do que designar o trabalho, job, serviço ou trampo mostram como os profissionais se relacionam com seus afazeres.
cá com meus botões, ainda tenho um pouco de respeito pela minha lida e gostaria que os outros, contratantes ou colegas, também o tivessem.
de maneira geral, emails como esse que mencionei, nem respondo. e não respondo por respeito.
com certeza eu não sou o profissional com quem eles vão querer trabalhar. depois, se responder vou ter que lhes passar uma descompostura e nenhum deles é meu filho. depois ainda, porque não tenho saco, me aborreço.
talvez eu esteja perdendo a oportunidade de conhecer um garoto bacana e até talentoso.
mas, se ele for bacana, talentoso e ainda quiser trabalhar comigo, vai insistir.
ah…… não, eles não insistem.

e não insistem porque mandam o mesmo email para uma dezena de outros profissionais facilmente encontráveis na rede e alguns deles vão retornar sem se dar conta de que o contratante nem se deu ao trabalho de examinar as técnicas tão diferentes entre os artistas escolhidos.
claro que há profissionais com características completamente diferentes e que, mesmo assim, podem criar e executar o mesmo trabalho com resultados distintos mas não menos cuidados e surpreendentes.
o que é estranho é um diretor de arte não perceber a diferença entre um desenhista realista e um cartunista, por exemplo.
nesse leilão, perdem todos. artistas, clientes, leitores e, principalmente os jovens que estão construindo seu olhar profissional e trajetória.

como sabemos, boa parte desses garotos saem crus das universidades e são obrigados a aprender no dia-a-dia.
de certa forma sempre foi assim mas havia os mestres.
meninos são subordinados a um outro menino formado um ano antes deles e todos desaprendem juntos.
claro que há uma garotada empenhada, talentosa e sacudida que deverá inventar uma outra forma de lidar com isso tudo.
por enquanto, a grande maioria ao invés de uma profissão, talvez esteja fadada só a ter um job, um serviço ou um trampo.

Sobre o autor

Orlando Pedroso é artista gráfico e ilustrador, trabalhou com praticamente todas as publicações da grande imprensa. Foi colaborador da Folha de S. Paulo de 1985 a 2011. Ilustrou mais de 60 livros infanto-juvenis e é co-autor de “Livro dos Segundos Socorros” e “Não Vou Dormir” – finalista do prêmio Jabuti de 2007 nas categorias “ilustração” e “melhor livro”. Foi vencedor do Prêmio HQ Mix de melhor ilustrador nos anos de 2001, 2005 e 2006. Expôs nas mostras individuais como “Como o Diabo Gosta”(1997) , “Olha o Passarinho!”(2001), “Uns Desenhos” e “Ôtros Desenhos” (2007). Em 2008, faz uma exposição retrospectiva de 30 anos de trabalho como artista convidado do 35º Salão de Humor de Piracicaba.- É autor dos livros Moças Finas, Árvres e do infantil Vida Simples, e membro do conselho da SIB – Sociedade dos Ilustradores do Brasil.

Sobre o blog

Este blog trata de artes gráficas, ilustração, cartum, quadrinhos e assuntos aleatórios.

Blog do Orlando