por que o cinema brasileiro não espera os defuntos esfriarem?
o cineasta cacá diegues pretende filmar a vida de hebe camargo no final de 2014 a convite da família da apresentadora. hebe morreu em setembro em 2012.
pode ser implicância minha mas me irrita um pouco o fato de não se esperar o corpo do artista esfriar para se fazer um filme.
cinema é ficção e o objeto a ser filmado, estando tão nítido em nossa memória, tende a ser uma caricatura embaralhada pela idolatria e/ou desprezo pelo personagem e o que a tela traz.
adaptar um livro para menos de duas horas de película já é uma encrenca. é dificílimo ser fiel à trama original e ainda conseguir o ritmo que o cinema exige. depois, cada leitor imagina personagens e cenários à sua maneira e compreensão.
o que dizer de levar às telas grandes ídolos populares?
sim, porque nossos cineastas consagrados, com raríssimas exceções, não vão atrás daquelas histórias que ninguém conhece. o cinemão brasileiro só reconhece roteiros com apelo e, então, dá-lhe cazuza, dá-lhe renato russo, personagens ainda vivos na memória de tantos jovens. tocam nas rádios ainda quase à exaustão.
aí vemos luis gonzaga e os ainda vivíssimos lula, zezé de camargo e luciano.
documentários se saem melhor nessa seara. chacrinha, simonal, arnaldo baptista, raul seixas, entre outros tiveram suas vidas (reais) esmiuçadas e a longa pesquisa permite se entender através de registros, depoimentos e documentos, a importância, os dramas e alegrias do personagem.
documentários nem sempre são populares, dão trabalho, têm menos verbas.
o cinema comercial brasileiro, recheado de globais, tende a transformar nossos principais ídolos em figuras rasas, com complexidade mediana, com dilemas de butique e, claro, sem o brilho que o ídolo original tivera.
quem teria o carisma de uma hebe camargo? quem estaria em pé de igualdade com uma dercy gonçalves, fernanda montenegro, walmor chagas, cacilda becker ou bibi ferreira? quem seria o apresentador silvio santos no cinema?
alguém daqui 60 anos certamente, com o distanciamento, poderia entrar num personagem que já está nebuloso na memória do público.
aí, sim, o cinema se serviria do seu melhor que é criar histórias, inventar tramas, fazer pensar e entreter.
o cinema americano, com todos os seus tropeços e barbaridades, é craque nisso. romantizou e encenou centenas de figuras públicas que se tornaram heróis, bandidos, revolucionários, glamurosos, verdadeiros personagens da telona. a realidade é diluída em prol de uma trama em que a realidade serve como fundo.
com o distanciamento, quem se importa?
cinema é ficção.
nossos ídolos, nem sempre.
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