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tomei um metrô cheio mas não havia ninguém lá

Orlando

17/07/2013 12h49

semanas atrás embarquei numa estação de metrô na zona oeste de são paulo.
era final da tarde/começo da noite e a maior parte das pessoas parecia estar voltando pra casa e, mesmo sendo esse horário, o trem não estava lotado.
cheio mas não lotado.

bem, o que me chamou a atenção nesse dia, não foi o estado do transporte nem a limpeza do chão mas algo que já faz parte de nosso cotidiano.
todos, quase sem exceção, estavam com o nariz enterrado no celular.
jogavam, enviavam torpedos ou navegavam pela internet.
visto assim, dava a impressão de que, apesar de estarem fisicamente ali, estavam em algum outro lugar. distantes do trajeto ou de quem estivesse do lado.
e aí que a coisa pega.
muito se falava de americanos e europeus que entravam em um ônibus ou metrô e se afundavam em alguma leitura criando uma barreira intransponível e, até então, incompreensível para brazucas afetuosos. por conta de atitudes como essa, sempre foram vistos como frios e distantes.

em 1982, em roma, fiz este desenho:

era a primeira vez que eu me dava conta do processo de isolamento que se iniciava. transeuntes carregavam seus walkman, aparelho pré-histórico que rodava fitas k-7. pouco depois viria o discman que tocava cds. absortos, caminhavam pelas ruas de algum outro planeta no ritmo do baticum que rolava nos fones de ouvido.

mas como eu dizia, o impressionante é como perdemos o interesse pelo entorno.
sempre há algo mais interessante pra se ver na tela do celular do que ao seu lado, do que no show, do que na rua, do que na comida da mesa, do que conversa, do que na paisagem na estrada, do que nos figuras de boteco de interior, do que qualquer coisa.
mas como será mais pra frente?
se nosso repertório é fruto da observação (ainda mais para quem escreve, desenha, pinta, atua), sobre o que falaremos daqui a alguns anos?
sobre que personagens vamos contar histórias se não atentamos em como as pessoas andam, sentam, falam? que tipo de memória vamos ter se não nos damos ao trabalho de olhar para o lado e reparar nos detalhes da expressão de olhos e bocas? se não percebemos tiques nervosos e posturas do corpo?
se para qualquer cidadão é importante reconhecer o que está ao seu redor, muito mais importante ainda para quem espera poder se expressar por esta ou aquela arte.
esse pode ser um desafio para novas gerações de artistas que pretendem fazer quadrinhos, ilustrar livros ou trabalhar na imprensa.
o desenho, antes de acontecer na mão, precisa começar pelos olhos.
olhos abertos e curiosos, de preferência.

Sobre o autor

Orlando Pedroso é artista gráfico e ilustrador, trabalhou com praticamente todas as publicações da grande imprensa. Foi colaborador da Folha de S. Paulo de 1985 a 2011. Ilustrou mais de 60 livros infanto-juvenis e é co-autor de “Livro dos Segundos Socorros” e “Não Vou Dormir” – finalista do prêmio Jabuti de 2007 nas categorias “ilustração” e “melhor livro”. Foi vencedor do Prêmio HQ Mix de melhor ilustrador nos anos de 2001, 2005 e 2006. Expôs nas mostras individuais como “Como o Diabo Gosta”(1997) , “Olha o Passarinho!”(2001), “Uns Desenhos” e “Ôtros Desenhos” (2007). Em 2008, faz uma exposição retrospectiva de 30 anos de trabalho como artista convidado do 35º Salão de Humor de Piracicaba.- É autor dos livros Moças Finas, Árvres e do infantil Vida Simples, e membro do conselho da SIB – Sociedade dos Ilustradores do Brasil.

Sobre o blog

Este blog trata de artes gráficas, ilustração, cartum, quadrinhos e assuntos aleatórios.

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