veto gera suspeita de censura a quadrinhos em edital no ceará
em novembro de 2011 o governo do ceará tornou público o VIII edital ceará de incentivo às artes. o edital pretendia apoiar com dois milhões, quinhentos e quarenta mil reais projetos de arte e cultura nos segmentos de artes cênicas, artes visuais, música, fotografia e literatura. dentro do segmento literatura, entre outras, prosa, poesia, cordel e quadrinhos.
todos os projetos deveriam ser entregues entre os dias 3 de novembro e 9 de dezembro de 2011, quando seguiriam para a avaliação técnica e jurídica.
joão alberto nogueira tavares, weaver lima, marcílio nascimento e mychel távora participaram do edital com o projeto "seres urbanos", uma coletânea de histórias em quadrinhos e cartuns publicados pelo grupo na década de 90.
no dia 29 de junho de 2012 o grupo recebeu um documento assinado pelo secretário executivo da secretaria de cultura fabrício vidal de lima declarando que o projeto seres urbanos havia sido aprovado e que uma conta corrente deveria ser aberta no banco bradesco para a movimentação dos r$15.000 relacionados à execução do projeto.
no dia 10 de julho do mesmo ano, o diário oficial publicou a relação de contemplados pelo edital e nela constava o projeto.
mesmo com a conta aberta e documentos entregues dentro do prazo, o repasse não foi liberado.
meses depois, por telefone, descobriram através do sr. lauro leite que o projeto aprovado, havia sido considerado pornográfico e sugeria que algumas partes da publicação fossem suprimidas sem causar danos.
o grupo concordou mas, mesmo assim, o projeto foi enviado para nova análise por outra comissão.
depois de meses e muitas tentativas de contato depois, foram comunicados que "como se trata de um livro para maiores de 18 anos, não atingia todas as faixas etárias e, portanto, o estado não poderia apoiar.
bem, no edital não havia uma linha sequer com restrições à temática ou faixa etária.
tanto verdade que outo projeto, o "quem matou joão ninguém" de josé wellington alves, de sobral também com temática adulta, fou aprovado e já se encontra em produção.
no dia 30 de abril de 2013 o grupo recebeu parecer assinado pelo assistente técnico pedro edson junior que julga a publicação seres urbanos inadequados por conter cenas de sexo e violência o que restringiria o acesso do bem cultural a todas as pessoas.
isso, note-se, nunca esteve claro no texto do edital.
a polêmica continua.
procurados, até o fechamento desta matéria nenhum representante da secult se pronunciou respondendo as perguntas enviadas pelo blog.
abaixo, entrevista com weaver lima:
blogdoorlando – parece que acontece alguma coisa estranha nesse edital que vcs participaram, não?
weaver – Sim, tivemos um livro aprovado no edital e depois de divulgado no Diário Oficial do Estado como aprovado, o projeto foi estranhamente reanalisado por outra comissão e desaprovado.
blogdoorlando – vcs cumpriram todas as etapas, tiveram o projeto aprovado e houve um recuo por parte da secretaria. o que eles alegam?
weaver – O que aconteceu é que um dos jurados da comissão técnica fez uma observação comentando que o livro continha cenas de sexo e sugeriu que tais cenas pudessem ser retiradas do livro, desde que isso não causasse no entanto algum prejuízo ao projeto. E um funcionário da Secult se utilizou dessa observação para solicitar uma nova análise do projeto. Se fosse respeitada a opinião do jurado, teria sido feito a proposta pra que a gente retirasse as HQs, ou trechos das mesmas. Ao invés disso o projeto foi encaminhado para ser reanalisado por outra comissão, no caso a do FEC (Fundo Estadual de Cultura) somente analisando que "como se trata de um livro para maiores de 18 anos, e portanto não atingia a todas as faixas etárias a Secretaria de Cultura não poderia apoiar". Ou seja, criaram uma outra situação. O estranho é que a Secult apoia sim outros projetos destinados somente ao público adulto.
blogdoorlando – mas a parte jurídica deveria só cuidar da documentação que, aliás, também foi entregue corretamente e no prazo.
weaver – No começo eles alegaram que foi a parte jurídica que considerou o livro "pornográfico". Depois um funcionário da Secult do setor SIEC (que cuida dos editais) admitiu que tinha sido ele próprio, mas "cumprindo com o seu dever". O chato é que fomos lá diversas vezes, e falamos com ele perguntamos o que estava acontecendo, propomos conversar sobre análise que julgava o nosso trabalho "pornográfico" pra tentar resolver o caso de uma maneira simples e ele nunca tentou solucionar nada. Pelo contrário, encaminhou o projeto, mesmo sabendo que o mesmo estava aprovado, para uma nova análise tendenciosa, uma analise na qual um livro de HQ direcionado ao público adulto foi inabilitado por não ser também para o público infantil. É lógico que não é, né? rs
blogdoorlando – outra coisa é que em nenhum momento o edital restringe a inclusão de projetos com conteúdo adulto. se fosse isso, deveria estar claro na convocação, não?
weaver – Sim, questionamos isso. Se este é um critério determinante na análise dos projetos deveria constar no edital. Mas segundo a opinião desse funcionário, não precisa.
blogdoorlando – vendo isso tudo, vcs acreditam ser esse um caso de censura ou medo da secretaria em colocar dinheiro público em quadrinhos com conteúdo adulto?
weaver – Encaramos mais como um caso de censura mesmo. Tendo em vista que o livro foi aprovado pela comissão técnica do edital e depois considerado "pornográfico" erroneamente por funcionários internos da atual gestão da Secult. Eles "viram" coisas que nem tem no livro como uma cena de estupro, e disseram que a gente estava incitando a violência. Mas não existe tal cena em nenhuma das histórias. O chato é que temos um livro com mais de 50 HQs, tiras e cartuns sobre vários temas e eles estão criando essa confusão toda por causa de 2 HQs que contém cenas de sexo, vale ressaltar, dentro de um contexto. E a Secretaria já apoiou outras obras artística de conteúdo adulto que estão aí até hoje e nunca aconteceu problema algum.
blogdoorlando – será que ainda hoje as pessoas acreditam que quadrinhos são literatura só para crianças?
weaver – Infelizmente aqui no Brasil, sim. E um problema maior é quando essas pessoas trabalham em órgãos de incentivo às artes.
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