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álcool: tolerância zero. transporte: opção zero

Orlando

19/02/2013 08h00

a piada diz que cu de bêbado não tem dono. o sujeito acorda na beira da estrada de terra com os fundilhos arrombados e vai reclamar com quem?
se ele estava a pé, tudo bem. uma pomadinha e o silêncio farão sua parte.
se estava de bicicleta, pode ser que tenha que voltar andando pra casa. se estava numa carroça, o cavalo ou o boi aproveitam pra fazer uma ceia enquanto o patrão fica ali abraçado a algum cupinzeiro.
a responsabilidade e conseqüências pela bebedeira é só dele, do beberrão.
bebida e deslocamento sempre trouxeram problemas aos incautos e piorou muito com a velocidade dos carros movidos a petróleo, se estendendo a terceiros, pessoas que não tem nada a ver com a farra de quem bebe.
ninguém, em sã consciência, vai defender essa dupla na zaga. bebida e direção não combinam e a tal da lei seca é mais do que bem vinda.
mas, péra aí, de novo!

a questão em debate é só não beber se vai dirigir?
evidentemente não.
mais uma vez o governo faz com que o lado fraco da corda se rompa deste lado de cá.
se vc mora numa grande cidade como são paulo, rio ou porto alegre, quais as suas opções para voltar pra casa?
veja que antes vc podia beber um pouco, pegar sua caranga e zuzo bem.
agora,a tolerância é zero.

numa cidade como são paulo, onde boa parte da diversão começa depois da uma da madruga, o metrô encerra suas atividades à meia noite, os ônibus escassam e os taxis, que durante o dia já são caros, viram bandeira dois. isso se pararem com a certeza de que o passageiro não vai lhe emporcalhar os bancos.
na cidade que não dorme, o único a tirar seu cochilo é o transporte público.
veja que aqui falamos de duas coisas: uma, é vc não beber se for dirigir. outra é não precisar dirigir se tiver bebido e essa segunda opção é impossível, mesmo numa cidade do tamanho de são paulo.
numa cidade menor, as opções simplesmente não existem. numa cidade pequena é comum o churrasco no sítio ou a festa na cidade vizinha.
aí, vc faz o que? pega o trem?
ah, claro, não há trem. não há trem, não há ônibus, não há alternativa nenhuma a não ser vc fazer uma amizade por interesse com alguém que não beba.
isso serve pra cidade grande e pra qualquer outra. uma amizade com um cara que não se incomode em sair de casa e carregar, de graça claro, e com toda a segurança, seus amigos briacos que se esbaldaram e entornaram todas.

a lei vem em boa hora mas não deixa, como sempre, de observar somente um lado da questão.
o certo seria ela dizer: cidadãos, demos todas as possibilidades pra que vc volte pra casa de forma segura. usamos o dinheiro dos impostos, preenchemos todas as possibilidades da malha viária para que vc deixe seu carro em casa e utilize o transporte público e não ofereça risco a vc mesmo ou a terceiros. mas, se vc não quiser utilizar os meios que oferecemos e dirigir embriagado, sentimos muito, mas vc vai ser multado.

como sempre, a conta sobra para o lado de cá. os jornais estampam o crescimento das multas, das blitzes, dos pegos em flagrante. os próprios movimentos pró-vida tocam pouco nessa questão e continuamos todos sem ter como nos locomover de forma segura e racional. a violência nos empurrou pra detrás das grades de nossas casas e a lei seca nos força a ser delinqüentes ou a freqüentar somente os bares na esquina de casa.

gostaria de fazer um outro adendo sobre esse tema e espero que ele não fuja do assunto.
falamos de perigo ao volante, sobre a falta de opções de transporte e sobre o controle do estado.
perigo ao volante é só a bebida?
e se vc brigou com seu parceiro, se perdeu o emprego, se tomou um calote, se tomou um tarja preta, se virou a noite trabalhando, se se atrapalhar trocando o cd, se a cinza do cigarro cair no colo? que aparelho o governo vai usar pra essa medição?
nenhum, como nenhuma é a opção do cidadão que gostaria de se divertir e voltar pra casa inteiro e cumprindo a lei.

Sobre o autor

Orlando Pedroso é artista gráfico e ilustrador, trabalhou com praticamente todas as publicações da grande imprensa. Foi colaborador da Folha de S. Paulo de 1985 a 2011. Ilustrou mais de 60 livros infanto-juvenis e é co-autor de “Livro dos Segundos Socorros” e “Não Vou Dormir” – finalista do prêmio Jabuti de 2007 nas categorias “ilustração” e “melhor livro”. Foi vencedor do Prêmio HQ Mix de melhor ilustrador nos anos de 2001, 2005 e 2006. Expôs nas mostras individuais como “Como o Diabo Gosta”(1997) , “Olha o Passarinho!”(2001), “Uns Desenhos” e “Ôtros Desenhos” (2007). Em 2008, faz uma exposição retrospectiva de 30 anos de trabalho como artista convidado do 35º Salão de Humor de Piracicaba.- É autor dos livros Moças Finas, Árvres e do infantil Vida Simples, e membro do conselho da SIB – Sociedade dos Ilustradores do Brasil.

Sobre o blog

Este blog trata de artes gráficas, ilustração, cartum, quadrinhos e assuntos aleatórios.

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