Topo

Histórico

Categorias

jaguar nos próximos 80 anos deve beber menos

Orlando

20/11/2012 17h10

foto de orlando pedroso no bar pirajá, sp, em 2004

 

não vou perguntar pro meu fígado se é pecado vc pegar uma entrevista publicada por um veículo e postar em seu próprio blog.
o fato é que o marco aurélio canônico fez uma entrevista saborozíssima com o pior/melhor desenhista brasileiro e, de longe, o melhor editor de humor que o brasil já produziu.
ninguém até hoje soube editar uma publicação de humor como o bom e velho jaguar porque, para isso, vc não pode ter papas na língua, nem achar que nada é sagrado.
millor dizia que ele desenhava muito mal, o que é verdade, mas que cada vez que ele caricaturava alguém, o sujeito ia cada vez mais ficando parecido com a caricatura.
coisa de gênio.

anos atrás encontrei o jaguar no restaurante do hotel onde estavam hospedados os convidados do salão de humor de piracicaba. sozinho e cabisbaixo, ele era o retrato escarrado da derrota.
encostei nele, puxei conversa e perguntei o que rolava.
ah, não tem onde publicar. eu queria trabalhar e não tem onde. reclamou da imprensa, da onda do politicamente correto e da chatice do humor.

pouco tempo depois ele foi convidado para editar para a desiderata, a publicar na imprensa e as nuvens se afastaram.
teve um avc e passou a beber cerveja sem álcool.
para compensar o incompensável, dizem os passarinhos verdes, tomava uma, ia até a rua e dava algumas voltas em torno de um poste até o barato bater.
eu não duvidaria.
dizem os médicos que nos próximos 80 ele deve pegar mais leve.
a ver.

 

"Pouco depois de completar 80 anos, em fevereiro desse ano, Sérgio Jaguaribe, o popular Jaguar, recebeu a notícia: ao fim de seis décadas tendo bebido o equivalente a "uma piscina olímpica" de álcool, seu fígado sucumbira à uma cirrose avançada, acompanhada de câncer.

Ou operava e parava de beber para sempre ou morreria.

"Eu tinha tanto orgulho do meu fígado, me senti hepaticamente corneado", diz o cartunista, tão célebre pelo humor implacável quanto por sua paixão por um boteco e um trago -não por acaso, um de seus livros chama-se "Confesso que Bebi – Memórias de um Amnésico Alcoólico" (Record, R$ 29,90, 160 págs.).

Jaguar recebeu a Folha no apartamento em que vive com sua mulher, a médica Célia Pierantoni, no Leblon, sentado ao redor de uma mesa que comprou para o boteco que nunca abriu. Nas paredes, desenhos feitos por ele e por vários colegas famosos.

Recusando-se a ser chamado de "senhor", falou sobre sua nova rotina sem o álcool, seus planos e suas histórias, sempre com a verve afiada que usa tanto para falar de si mesmo quanto dos outros.

Lembrou ainda de episódios marcantes deste ano, como as mortes de dois companheiros de "O Pasquim" (Millôr Fernandes e Ivan Lessa) e o aniversário de 80 anos de outro (Ziraldo).

Ao fim das mais de duas horas de conversa abaixo resumidas, fez apenas um pedido: ser fotografado com um copo de cerveja -sem álcool- na mão. "Senão o pessoal não me reconhece."

Folha – Como está sua saúde?
Jaguar – Em vez de morrer até o fim do mês, talvez eu tenha mais uns seis meses (risos). Eu estou com cirrose e mais uns três ou quatro tumores foram extirpados. Fiz um exame na semana passada que mostrou que eu estou como o Brasil: parado. Não melhorou nem piorou.

A notícia pegou todo mundo de surpresa, não?
Inclusive eu. Andei fraco, me sentindo pesado, e meu médico me mandou ir a São Paulo fazer exames. Tudo apoiado por minha mulher, que é médica. Foi a maior burrice que já fiz. Eu não saberia até hoje que estava doente, estaria tomando minha birita.
Eu fui ao Sírio Libanês, me enfiaram naquele canudo que faz uns barulhos estranhíssimos, você tem de ficar imóvel. Esse exame exige nervos de aço, depois dele você pode ouvir o relator do mensalão por 12 horas seguidas sem mostrar sinais de tédio.

E o mensalão tem rendido muito tema para charge?
Isso aí é até covardia, né, rapaz? Os humoristas não podem se queixar. Se tivesse de fazer, faria três por dia, as ideias vão aparecendo sem o menor esforço. Profissionalmente, vou te contar, sou muito bom nisso. Sou metódico, acordo e leio todos os jornais. E, desde que comecei nessa profissão, nunca parei.

Nem pretende?
Não. Vou fazer o quê com as piadas que eu bolo? Acho ótimo, é uma maneira de eu sacanear os caras, né?

Tem vítimas preferenciais?
O poder. "Hay gobierno [soy contra]…" Isso é batata. Conheci o Lula quando o Henfil o levou para o "Pasquim", eu era amigo dele, mas depois que virou poder…

Como vai a vida sem álcool?
Estou fazendo experiências, drinques para abstêmios. Faço um Bloody Mary com o suco de tomate temperado com tabasco, limão, pimenta em pó. E cerveja sem álcool. Porque, ao contrário de muita gente, eu gosto da cerveja pelo sabor. Para ficar de porre, eu tomava coisas mais expressivas.

Foi uma adaptação difícil?
Como dizia Dostoiévski, e o Zé Keti também, o homem se acostuma com tudo. Eu bebia porque gostava de ficar bêbado. O grande problema é que eu posso beber o quanto quiser que não fico bêbado.
Fiz uns cálculos: a quantidade de cerveja que bebi nos últimos 50 anos dá para encher um carro-pipa. Bebi quase uma piscina olímpica. Entre cinco e dez cervejas por dia. Fora Steinhäger, cachaça, tudo que você pode imaginar.
Eu me sinto corneado pelo meu fígado. Eu tinha um orgulho dele, rapaz. Eu não tenho sinais de cirrose, mas a redundância magnética [risos] me entregou. Eu sou o pé na cova com o aspecto mais saudável que eu conheço.

Ainda bem. Neste ano já perdemos outros do "Pasquim".
Este ano foi bravo para o humor. Foi-se o Millôr, foi-se o Ivan Lessa. Ao Ziraldo, quando me convidou para os 80 anos dele, eu disse que ia estar no Sírio Libanês. Aliás, queria deixar registrado: a melhor empadinha de frango do Brasil é na lanchonete de lá. Recomendo vivamente.
A hotelaria do Sírio é um negócio fantástico, você morre muito bem (risos). Em suma, não sei quanto tenho de vida, mas é mais do que esperava.
Sempre disse que quero ser cremado, mas não tenho essa coisa poética de querer que minhas cinzas sejam espargidas no mar ou debaixo de um carvalho que meu avô plantou. Não, pega as cinzas, joga no vaso sanitário e puxa a descarga. Morreu, acabou.

Você tinha um projeto melhor, de distribuí-las pelos bares.
Isso ia ser pela festa. Queria ver se fazia isso antes de morrer; por que vou ficar de fora? É claro que ia demorar semanas para ir a todos os bares onde bebi no Rio.

Você mantinha contato com o Ivan e o Millôr?
Tinha muito contato no dia a dia do jornal. Aí, o Ivan foi para Londres, ele me escrevia, mas não sou de escrever.
O Henfil, quando foi para Nova York, me escrevia cartas diárias, eu lia e não respondia. Uma vez ele veio aqui e me perguntou: "E as minhas cartas? Queria elas para publicar, porque eu caprichava naquelas cartas". Eu disse que tinha jogado fora, não sabia que ele estava escrevendo para a posteridade, achei que era pra mim. Ele ficou puto da vida.

Você brigou com Millôr quando ele criticou a indenização que você e Ziraldo receberam do governo, pela ditadura?
Não liguei, não. Ele tinha um espírito, digamos, udenista, aquele negócio moralista. O Millôr ficava escandalizado com a minha vida, com minha mania de frequentar favela, ser amigo de Zé Keti, Madame Satã. Ele ficava apoplético quando me via amicíssimo do [bicheiro] Castor de Andrade. Mas, para mim, o Millôr é o máximo. É o melhor intelectual brasileiro, o melhor cartunista brasileiro, qualquer coisa que ele fizesse, era o melhor.

Como andam suas relações com o Ziraldo?
É quase um casamento, somos amigos há 60 anos, já brigamos uma porrada de vezes. Agora estamos amigos, ele está curtindo meu câncer à beça (risos). Mas somos completamente diferentes, inclusive nesse negócio de aniversário. Ele transformou os 80 dele num evento e ficou chateado de eu não ir. Ele falou: "Você vai ser a pessoa mais importante da festa. Todo mundo vai perguntar, 'cadê o Jaguar?"'.

E como é sua rotina de trabalho atualmente?
Eu trabalho no máximo até as 11h, e o mínimo possível. Faço só o estritamente necessário: uma charge às segundas, uma às quintas, uma piada sobre botecos para o "Boteco do Jaguar". Agora que estou proibido de beber, vou fazer um livro sobre coquetéis, com historinhas e uma seleção desses desenhos que eu faço e que saem num suplemento de "O Dia".
Eu estava pensando em escrever uma autobiografia, mas o Ruy Castro me disse: "Não, eu vou escrever, já está tudo na minha cabeça". Minha autobiografia escrita por ele vai ficar muito melhor.

Desenhar é algo que consome muito tempo para você?
Não. Desenho rápido, não faço esboço. E não sei desenhar. Aqui no Brasil, qualquer pessoa que faz alguma coisa por mais de dez anos, mesmo não sabendo, é considerada boa. Quando mostrei meus desenhos pela primeira vez ao Millôr, ele falou: "Pô, o seu desenho é péssimo".

E como um desenhista ruim influenciou tanta gente?
Vendo esses meninos de hoje, sinceramente, não me vejo numa lista de 20 [melhores] cartunistas. Tem o André Dahmer, o Laerte, o Angeli, aquele Adão, que não sei por que cortou o sobrenome. O Sieber. Eles são inteligentíssimos. Eu ainda consigo entender todos eles.

Jaguar conta mais casos
folha.com/no1182990"

foto de orlando pedroso no bar pirajá, sp, em 2004

Sobre o autor

Orlando Pedroso é artista gráfico e ilustrador, trabalhou com praticamente todas as publicações da grande imprensa. Foi colaborador da Folha de S. Paulo de 1985 a 2011. Ilustrou mais de 60 livros infanto-juvenis e é co-autor de “Livro dos Segundos Socorros” e “Não Vou Dormir” – finalista do prêmio Jabuti de 2007 nas categorias “ilustração” e “melhor livro”. Foi vencedor do Prêmio HQ Mix de melhor ilustrador nos anos de 2001, 2005 e 2006. Expôs nas mostras individuais como “Como o Diabo Gosta”(1997) , “Olha o Passarinho!”(2001), “Uns Desenhos” e “Ôtros Desenhos” (2007). Em 2008, faz uma exposição retrospectiva de 30 anos de trabalho como artista convidado do 35º Salão de Humor de Piracicaba.- É autor dos livros Moças Finas, Árvres e do infantil Vida Simples, e membro do conselho da SIB – Sociedade dos Ilustradores do Brasil.

Sobre o blog

Este blog trata de artes gráficas, ilustração, cartum, quadrinhos e assuntos aleatórios.

Blog do Orlando