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maringoni: um cartunista candidato a vereador

Orlando

24/09/2012 11h19

arquiteto, jornalista, professor, ilustrador e cartunista, maringoni foi filiado ao pt e é candidato a vereador pelo psol. é corinthiano, mora na zona leste paulistana e gente fina. foi, entre outras coisas, editor do álbum de quadrinhos front.
acabou de ser indicado como finalista do prêmio jabuti na categoria biografia com o livro "angelo agostini: a imprensa ilustrada da corte à capital federal, 1864-1910, da editora devir.
aqui ele responde perguntas do blog e de outros cartunistas.

foto: cecília laszkiewicz

 

blogdoorlando –  maringoni, vc é um cartunista. essa ocupação não entrará em conflito com o maringoni politico?
Maringoni –
 Sempre fui político. Aliás, toda ação em sociedade é política. Minhas críticas e opiniões como cartunista são as mesmas que tenho como cidadão. A única diferença é que sou candidato, e isso muda a maneira de atuar. Mas não haverá contradição entre minhas opiniões como cartunista e como vereador, caso eu seja eleito.
blogdoorlando –  vc mora no aprazível e ainda conservado bairro do belenzinho, na zona leste de são paulo. como vc tem visto o loteamento imobiliário da cidade? há forças suficientes para interromper esse processo?
Maringoni – A cidade de São Paulo, desde o final do século XIX foi, em grande parte, desenhada pelo mercado imobiliário. As linhas de bonde e a iluminação elétrica foram instaladas em lugares escolhidos para a valorização do solo. Nos últimos anos a situação se exacerbou, com o crescimento econômico. O crescimento é positivo, mas ele expôs claramente as distorções da ocupação desordenada. Existe um Plano Diretor, de 2002, que é seguidamente desrespeitado. Isso tem várias causas, entre elas o fato das empresas imobiliárias serem fortes financiadoras de campanhas. Quase metade dos vereadores atuais foi bancada por empresas desse tipo. Por isso o legislativo não se opõe à situação.

blogdoorlando –  como artista gráfico, o que vc acha da cidade limpa?
Maringoni – A cidade limpa, sem aqueles exageros da publicidade, eu acho ótima. Mas a "cidade limpa", no sentido de higienismo social, é uma das facetas do que eu chamo de fascismo fofo.

blogdoorlando –  o presidente lula entrou na pauta do mensalão em meio a uma campanha acirrada. qual vc acha que foi a participação dele nesse episódio (o mensalão)?
Maringoni – Primeiro, há um evidente exagero da mídia e da direita ao tratar do mensalão. Acho pouco provável que tenha existido algo assim, por um motivo básico: o governo Lula não aprovou nada no Congresso que descontentasse as forças tradicionais que ali estão. Para que pagariam a direita para que ela votasse a pauta da própria direita, como a reforma da previdência, a lei de falências e vários favores para os empresários? Acho que o PT errou e feio. Foi atrás dos mesmos mecanismos de financiamento de campanha do PSDB. Está pagando caro por isso. O gozado é que os tucanos não foram levados aos tribunais, apesar das sólidas denúncias na privataria das teles e na compra de votos para a reeleição no governo FHC. Eu não sei dizer qual foi a participação do Lula nisso tudo, se é que ele teve alguma.

blogdoorlando –  o lula não se importou de se aproximar de governos ditatoriais como os do irã, china e da venezuela. vc tem sido um defensor do governo chavez. como se fecha essa equação?
Maringoni – A Venezuela está realizando sua décima quarta eleição em 14 anos. Tem mecanismos constitucionais para que a população vote a interrupção do mandato de qualquer governante. Como toda democracia, é imperfeita, mas não é uma ditadura. Posso traçar um critério dizendo que todo país que possua um monarca vitalício com mandato hereditário não é uma democracia. Inglaterra, Suécia e Espanha seriam ditaduras, então? A aproximação do governo brasileiro com esses países se deu na lógica das parcerias comerciais e da geopolítica estratégica. A China é nosso maior parceiro comercial, a Venezuela é um país rico, que importa quase tudo, e o Irã é um mercado ávido por nossos produtos. Se os deixarmos de lado, vamos negociar com quem?

blogdoorlando –  a política do governo federal de incentivar o consumo está levando boa parte das cidades – e são paulo principalmente – ao caos urbano pela gigantesca quantidade de automóveis. existe uma solução a curto prazo para a questão da mobilidade?
Maringoni – Esse é um problemaço. Todo mundo quer ter carro. Nada contra. Mas isso torna as cidades inviáveis. Não há solução simples aqui. Sou usuário de metrô e ônibus. O ideal seria deixar o carro na garagem, nos dias de semana, e usar transporte público para o deslocamento casa-trabalho. A prioridade das políticas do setor deve ser o transporte coletivo.

blogdoorlando – vc já tem uma relação de nomes para dar em ruas e praças? qual será o primeiro? :>)
Maringoni – Hahaha… Não tenho. Uma rua Fortuna, uma praça Tarso de Castro e uma avenida Millôr seriam legais. Mas o que vou fazer se eleito é tentar retirar nomes de torturadores e golpistas de todo lugar público. É um escândalo que tenhamos em São Paulo um elevado Costa e Silva e uma rua Sergio Fleury!

Junião – Você é culto, fundamenta muito bem seus pontos de vista, procura sempre manter transparente e acessível suas idéias, posturas políticas e ações. Caso eleito, você estará dentro de uma casa legislativa que trabalha justamente de maneira oposta, quase uma caixa preta, raramente temos notícias do que acontece por lá,  falta transparência, vale mais o poder do dinheiro, de conchavos políticos do que as vontades populares que acabam ficando sempre no segundo plano.  Como você pretende driblar esse aparato todo de ineficiência e colocar seus projetos nas pautas da câmara? Você já tem alguma estratégia?
Maringoni – Começo pelo seguinte: em toda a minha campanha devo gastar algo em torno de R$ 25 mil. Está no site do TRE. As grandes campanhas gastarão até R$ 8 milhões. De onde vem o dinheiro? Como será pago? Certamente com projetos e votações que favoreçam os doadores com quem têm o rabo preso. Isso não pode ficar claro para o grande público. É um avanço que tenhamos a lei da transparência em vigor, pois ela ajuda a deixar as coisas claras. Ela precisa ser aplicada em toda a área pública.

Spacca – Você é candidato pelo PSOL, mas uma vez demonstrou grande flexibilidade de espírito elogiando a coletânea de Otto Maria Carpeaux organizada por um intelectual de direita.
Qual será o foco do vereador Maringoni, já tem uma idéia de projetos?
terá a ver com: urbanismo? ilustração e HQ (direitos autorais etc)? seguirá prioridades indicadas pelo partido?
ou não tem a menor idéia e vai descobrir depois?
Maringoni – O Carpeaux era um socialista e se opôs com firmeza à ditadura e às agressões imperiais dos Estados Unidos pelo mundo. O fato de um intelectual de direita ter organizado a coletânea – muito boa, por sinal – não quer dizer nada. Sobre o meu foco, quero me voltar especialmente para três coisas: 1. A privatização de equipamentos e serviços públicos, 2. A onda de preconceito e intolerância que toma conta da cidade e 3. A democratização das comunicações e da cultura. Vou lutar por coisas que, embora pareçam óbvias, não se realizam: espaço público tem de ser público e quem tem mais deve pagar mais.


Cláudio Eldi – Você também acha que o governo federal deveria, juntamente com os estados e as prefeituras das regiões metropolitanas, liderar um ousado e vigoroso programa de aceleração das obras de metrôs por todas as capitais do Brasil.
Maringoni –
Penso que deve haver um programa de desenvolvimento no qual a prioridade da mobilidade urbana esteja no transporte público, envolvendo todas as esferas de governo. Fui bolsista no Ipea por quatro anos. Lá aprofundei minha visão sobre a importância do Estado planejar e investir. E transporte público é uma área que deve ser controlada pelo Estado para funcionar. O metrô é, sem dúvida, a melhor opção.

Laerte –
Maringoni, acha possível – ou desejável – eleições diretas para subprefeituras?
Maringoni – À primeira vista, a medida parece simpática. Mas tenho dúvidas se isso não criaria uma dissonância administrativa no município, com diretrizes e prioridades conflitantes, aumentando o caos urbano. O prefeito é eleito para administrar a cidade em sua totalidade. Não é a mesma coisa que um país, onde cada ente federado pode – e deve – ser governado de acordo com os anseios da população local. A cidade não é uma federação, com partes autônomas. De qualquer forma, seria melhor criar mecanismos de aproximação da população com a direção das subprefeituras, por meio de entidades e conselhos de representantes. Seria muito do que os coronéis do Kassab…


Negreiros – Vc não tem medo de ser "devorado" vivo no meio dessa turma, movido pela convicção e boa intenção de mudar este estado de coisas?
Maringoni – Medo? Não tenho não. Posso, em alguns momentos, me isolar em relação às práticas de corrupção e de fisiologismo. Mas isso é da vida… Se for eleito, tenho de dialogar é com a população. A Câmara não pode ser um balcão ou um território de grandes e pequenos lobbies, mas palco de disputa de idéias e projetos.

Gustavo Duarte – Nesses mais de 30 anos de militância política, você já trabalhou na campanha de diversos candidatos, tanto do PT, quanto atualmente do PSOL.
Quando e porque resolveu dar esse passo a diante e você mesmo se candidatar a um cargo político.
E o que de mais importante você aprendeu nessas diversas vezes que trabalhou na campanha desses outros candidatos que estão te ajudando agora.
Maringoni – Gustavo, sou militante desde 1977. Outros, muito melhores, também foram militantes e candidatos, como Jorge Amado, Portinari e o Barão de Itararé. Faz parte de minha formação, tanto quanto minha vida acadêmica e profissional. Tentei o mais que pude não misturar os canais, o que é difícil. Fui dirigente partidário, base, coordenador de campanhas – eleitorais e populares – e toquei minha vida profissional. Mas eu nunca havia dado a cara a tapa de forma tão explícita como agora. Era um desafio que desejava encarar. Vários companheiros me incentivaram e estão dividindo comigo essa pedreira. Tive receio de me isolar, perder amigos e trabalho. A poucos dias da eleição, vejo que aconteceu o contrário: o número e a expressividade dos apoios me surpreende. Fui a lugares onde nunca tinha ido, conheci melhor meu bairro, conheci e reencontrei gente e estou fazendo uma campanha em boa parte desenhada (www.maringonivereador.com.br), usando recursos que aprendi como cartunista. Essa campanha já é uma vitória.

Baptistão – O cartunista é sempre – ou deveria ser – um estilingue apontado para o poder. Que apelo foi esse, tão forte a ponto de fazê-lo querer ser agora a vidraça? Teme que seus colegas um dia apontem os estilingues contra você?
Maringoni –
Baptistão, somos estilingue e vidraça o tempo todo. Como cartunistas, estamos sempre na mira do leitor e do editor. Vou continuar a ser estilingue contra a privatização da cidade pelos grandes interesses. E vidraça para a população.

João Montanaro – Se é fato que na política você não consegue vitrine sem se corromper, como pretende se firmar na casa sem apelar para esse lado?
Maringoni –
A política corrompe tanto quanto a medicina, a engenharia, o jornalismo e qualquer atividade humana. Eu já perdi boas oportunidades de trabalho por não querer fazer determinado desenho ou texto. A atividade parlamentar – se eu for eleito – não é minha profissão. É uma atividade. Não vou vender a alma para ficar na Câmara. Quero ir para lá fazer política no sentido grande da palavra.

Caco Galhardo – Você tem alguma proposta para a adoção de hqs nas escolas públicas?
Maringoni – Caco, eu não havia pensado nisso. Mas pensei em propor algum investimento para a criação de quadrinhos no município, ampliando a iniciativa já existente na secretaria de Cultura do Estado. Acho que deve ser uma espécie de bolsa de incentivo a produções em diversas áreas, como quadrinhos, literatura, música etc. É importante que não seja apenas um prêmio, mas algo que possibilite um trabalho continuado por um período determinado e que viabilize a edição da produção daí resultante. Os financiamentos atuais são muito pequenos.

JAL – Qual a diferença entre o Maringoni da luta pela guerrilha contra os militares da ditadura e o candidato a vereador?
Maringoni –
Oi Jal, nunca participei da guerrilha ou da luta armada. Eu era muito novo na época (1969-74). Tenho vários amigos que tomaram parte e respeito todos eles. Partiram para uma medida extrema quando eram jovens e não havia nenhuma oportunidade de participação política. Na verdade, não fizeram luta armada, pois luta pressupõe equilíbrio de forças entre dois lados. A ditadura tinha um poder de fogo muito maior. Um antigo militante, o Jacob Gorender, disse que aquilo foi um protesto armado. Eu comecei mais tarde, no final dos anos 1970. Não havia mais esse tipo de coisa. O que gosto de fazer – e fizemos muitas vezes juntos – é juntar gente e organizar pessoas. Assim, tirando o fato que agora tenho cabelos brancos e não muita barriga, posso dizer que batalho pelos mesmos ideais de trinta anos atrás.

 

Luscar – Fortuna e Jaguar achavam que quando uma charge se refere a uma coisa catastrófica, algo assim como vítimas  de enchente, o desenho não deve ser bonito, e, até meio matado. No seu caso, que tem um belíssimo desenho, como vc, caso concorde com os cartunistas acima citados, resolveria isso?
Maringoni – Oi Luscar, obrigado pelo elogio. Cada situação pede uma abordagem formal. Mas não acho que exista uma regra, tipo "coisa legal, desenho legal, coisa medonha, desenho medonho". O essencial é fazer com que a ideia seja clara para o leitor. Alguns dos desenhos "matados" do Jaguar, para mim, são belíssimos, pois retratam um escracho cotidiano muito brasileiro. Não os acho "matados". Ao contrário, acho-os sofisticadíssimos.

 

Vídeos:

http://vimeo.com/49644781
http://vimeo.com/49509833

http://www.youtube.com/watch?v=tGnYyjmFqjU

 

 

 

 

 

Sobre o autor

Orlando Pedroso é artista gráfico e ilustrador, trabalhou com praticamente todas as publicações da grande imprensa. Foi colaborador da Folha de S. Paulo de 1985 a 2011. Ilustrou mais de 60 livros infanto-juvenis e é co-autor de “Livro dos Segundos Socorros” e “Não Vou Dormir” – finalista do prêmio Jabuti de 2007 nas categorias “ilustração” e “melhor livro”. Foi vencedor do Prêmio HQ Mix de melhor ilustrador nos anos de 2001, 2005 e 2006. Expôs nas mostras individuais como “Como o Diabo Gosta”(1997) , “Olha o Passarinho!”(2001), “Uns Desenhos” e “Ôtros Desenhos” (2007). Em 2008, faz uma exposição retrospectiva de 30 anos de trabalho como artista convidado do 35º Salão de Humor de Piracicaba.- É autor dos livros Moças Finas, Árvres e do infantil Vida Simples, e membro do conselho da SIB – Sociedade dos Ilustradores do Brasil.

Sobre o blog

Este blog trata de artes gráficas, ilustração, cartum, quadrinhos e assuntos aleatórios.

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