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luiz gê lança coletânea de charges sobre a ditadura no brasil

Orlando

07/12/2015 13h34

Ge - capa

luiz geraldo martins é referência de primeira grandeza nos quadrinhos. é também cartunista, ilustrador, diretor de arte, músico, cenógrafo e escreve bem pra dedéu.
luiz gê, como é conhecido, aos poucos vai retomando sua vida de artista gráfico depois de anos lecionando no curso de design do mackenzie. lançou uma adaptação de o guarani, relançou a saga da avenida paulista, voltou a colaborar com arrigo barnabé numa ópera e reúne, agora, charges produzidas para a página 2 da folha de s. paulo entre meados da década de 70 e meados da de 80.
esse período compreende o final dos anos de chumbo e o início da distensão política.
nas charges estão o humor afiado e ácido assim como o traço preciso e milimétrico que sempre o acompanhou.
"ah, como era boa a ditadura vem", aliás, em boa hora quando grupos conservadores pedem a volta dos militares ao planalto.
nas 288 páginas de textos e charges é possível montar o cenário da época e, tristemente, perceber que nem tudo mudou de lá para cá. pelo contrário. muitas das charges são atualíssimas e poderiam ser publicadas em qualquer jornal de hoje.
vários personagens continuam atuando na política como os sarneys, collors e malufs.
"ah, como era boa a ditadura", editado pela companhia das letras, é uma compilação de recortes de jornal que o próprio gê guardou em pastas. muita coisa deve ter se perdido mas a essência está ali.
abaixo, entrevista com o artista:

blogdoorlando – como vc se tornou chargista da folha?
Luiz Gê – Estávamos na ditadura e tentávamos mandar o recado contra ela de todas as formas, primeiro através da guerrilha gráfica da revista Balão, e, logo, na imprensa alternativa que nos colocou em contato com todo mundo da imprensa. Logo fiquei sabendo que haveria um espaço para a charge na Folha e fui para lá fazer contato com o diretor de arte. Imediatamente ele me colocou para ilustrar e logo em seguida comecei a produção na página dois. Eu ainda não dominava a linguagem e fui aprendendo no dia a dia. O mais importante é que ali, apesar de fortíssima autocensura inicial, que dificultava sobremaneira a criação, eu ficava em uma posição de ajudar na luta.

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blogdoorlando – sua praia eram os quadrinhos. quais foram suas influências na charge?
Luiz Gê – Nossa geração era toda de humoristas, por influência de cartunistas brasileiros desde a década de cinquenta como o Borjalo e um dos meus favoritos, o Carlos Estevão. Na época, o pessoal do Pasquim era muito influente e Ziraldo, Jaguar, Fortuna, entre outros, eram referências para todo mundo. Mas haviam desenhistas estrangeiros em uma gama muito grande. De Steinberg à Ron Cobb, passando por Sempé e Ralph Steadman, todos eles eram muito fortes.

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blogdoorlando – o quanto o ambiente da redação mudou sua percepção da notícia de quando vc era simplesmente um leitor?
Luiz Gê – Acho que não dá para responder em apenas algumas linhas. O negócio é que na Folha a gente percebia a possibilidade real de interferir na realidade, de influenciá-la e muda-la. Era muito gratificante verificar que isso ia acontecendo com cada vez mais força. Mas éramos uma geração engajada e lida, o que significava um arcabouço para aquilo que fazíamos. Ninguém lia os jornais de forma ingênua, tínhamos um espírito bastante crítico, o que exige que você esteja sempre se formando, não apenas se informando e acreditando em notícia bestamente.

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blogdoorlando – vc é um perfeccionista obcecado. como era trabalhar com o relógio na prancheta?
Luiz Gê – Era angustiante. Tudo era corrido e concorria para que um monte de coisas desse errada. Mas o mais duro era quando uma charge boa não era aprovada e v tinha que colocar uma ideia mais fraca no lugar. Isso era duro. Você tinha mais ou menos uma hora para ter uma ideia, se ainda quisesse fazer a arte final. Era como andar na corda bamba. O que garantia um bom resultado? Haja criatividade… No entanto, no livro não há praticamente seleção. Nessa fase eu acho que estava produzindo legal, com fluência.

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blogdoorlando – seu livro retrata uma fase muito particular de nossa história. como vc vê a charge hoje?
Luiz Gê – Fase particular, mas que pelo visto a turma não conhece, ou esqueceu, e tem falado muita besteira. Por isso o livro.
Eu acho que atualmente eu gosto só da charge do Laerte. Ser chargista é uma coisa que exige autonomia, se não você vira um repetidor de linha editorial ou coisa do tipo. Por isso é que eu gosto da charge dele, que passa uma visão independente. Agora, acho que tem chargistas fazendo coisas na internet que eu não vejo. Já me falaram de alguns que são engraçados.

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blogdoorlando – mas há saída?
Luiz Gê – Assim que acabou a ditadura eu já pensava em fazer um outro tipo de charge envolvendo outros aspectos da realidade, mas aí eu cumpri meu 'serviço militar em tempo' de guerra e saí do jornal. Os caras continuam fazendo aquilo que fazíamos na ditadura quando fazia sentido focar no circo lá de Brasília, pois naquela época aquilo era o poder absoluto. Hoje isso não faz mais sentido. Além do poder econômico financeiro (o verdadeiro poder) que passa praticamente incólume por tudo isso, há inúmeros aspectos a serem focados como a justiça devagar quase parando, mídias de todos os naipes, empresas privadas nacionais e multinacionais fazendo o que bem querem e raramente ou muito rapidamente checadas pela mídia. Não dá para colocar a culpa das mazelas só em um único fator e achar que toda a realidade se resume a isso. É preciso dar nomes aos bois, citar empresas, por exemplo, que abusam e não cumprem com a ética. Enfim, criticar o sistema também, pois o sistema capitalista hoje, com sua necessidade infinita de expansão e sem o menor controle sério, está colocando o mundo cada vez mais na beira do precipício. Em suma, acho que a coisa ficou meio bitolada nessa área.

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blogdoorlando – fora os que morreram, praticamente todos os personagens dessa época continuam atuando na política. a que se deve isso?
Luiz Gê – Quem não conhecer a história da ditadura não pode entender o Brasil atual. A ditadura deixou uma herança que cobre todos os setores da vida atual. Do desmonte da educação, da polícia repressora militarizada, de instrumentos legislativos e judiciários jamais revistos, das construtoras  e empresas corruptas, das concessões televisivas ideologicamente comprometidas, até o próprio sistema eleitoral e figuras como Sarney, Collor e Maluf. A ditadura entregou o poder a Sarney, presidente do PDS, o seu próprio partido, e as eleições para presidente só ocorreram 5 anos depois. Quem é que a Globo coloca no poder? Collor, outro político que passou do PDS para outro(s) partido(s) na última hora. A justiça que, diga-se, teve setores que colaboraram contra o próprio estado de direito na ditadura, se faz impotente com  figuras notórias como o Maluf "procurado" até pela Interpol, mas condena sem provas figuras não gratas à elite que hoje vem pedir… a volta da ditadura! Ou absolve os torturadores e militares terroristas que mataram tanta gente naquela época. Somos o único país que não acertou essas contas. A passagem da ditadura para a chamada democracia se deu da mesma forma como a nossa independência… disfarça-se a velha colônia que permanece impávida com todos os seus vícios. Permanecemos uma colônia, ainda falta muita luta para sermos um país verdadeiramente democrático.

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blogdoorlando – vc voltaria a fazer charge profissionalmente?
Luiz Gê – Eu estou com muita vontade de fazer meus quadrinhos, mas a situação brasileira está exigindo um certo engajamento outra vez. Tenho pensado muito nisso.

 

 

serviço:
ah, como era boa a ditadura
de luiz gê
288 páginas
quando: hoje, 7 de dezembro de 2015
a partir das 19h30
onde: livraria cultura
av. paulista, 2073 – conjunto nacional
preço: R$59,90

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sobre o autor

Orlando Pedroso é artista gráfico e ilustrador, trabalhou com praticamente todas as publicações da grande imprensa. Foi colaborador da Folha de S. Paulo de 1985 a 2011. Ilustrou mais de 60 livros infanto-juvenis e é co-autor de “Livro dos Segundos Socorros” e “Não Vou Dormir” – finalista do prêmio Jabuti de 2007 nas categorias “ilustração” e “melhor livro”. Foi vencedor do Prêmio HQ Mix de melhor ilustrador nos anos de 2001, 2005 e 2006. Expôs nas mostras individuais como “Como o Diabo Gosta”(1997) , “Olha o Passarinho!”(2001), “Uns Desenhos” e “Ôtros Desenhos” (2007). Em 2008, faz uma exposição retrospectiva de 30 anos de trabalho como artista convidado do 35º Salão de Humor de Piracicaba.- É autor dos livros Moças Finas, Árvres e do infantil Vida Simples, e membro do conselho da SIB – Sociedade dos Ilustradores do Brasil.

Sobre o blog

Este blog trata de artes gráficas, ilustração, cartum, quadrinhos e assuntos aleatórios.

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