cabelo, brinco, assédio e outras #
aos 5 ou 6 anos eu queria ter o cabelo comprido do roberto carlos que assistia no programa jovem guarda aos domingos na casa de minha avó.
depois quis ter o cabelo comprido dos beatles e depois o dos hippies que pipocavam no início dos anos 70.
fiz um desenho de um hippie todo colorido no meio de um mundo decadente e cinza. minha tia falou: é isso mesmo, eles vivem no meio do lixo!
aí entendi, do alto de meus 14 anos que a vida não ia ser fácil.
liberto do corte "meio americano" imposto por meu pai, deixei o cabelo crescer. deixei crescer muito. longos e abundantes cachos castanhos que, se não estavam presos por um rabo de cavalo, batiam no meio das costas. deixei costeletas também, como as do robert plant. depois deixei barba mas a barba coçava e isso me incomodava muito.
em 1978, resolvi colocar um brinco.
nessa época vc ia num lugar tipo o mappin e comprava uma peça que se encaixava num revolver e, pimba, em um segundo a bijuteria estava instalada e dormindo no lóbulo auricular.
não doía. era só o sustinho do estalo da máquina.
agora, A COISA era chegar em casa, encontrar os amigos e encarar a estranheza.
meu cabelo era comprido, fazia uma cortina e a peça que escolhi era uma pequena e discreta bolinha azul turquesa.
ok, era azul turquesa mas era discreta, entendam. pequena.
meu pai viu durante um almoço.
me olhou com aquela cara de "era o que me faltava" e, na escola, entre ais e uis, o comentário de minha professora preferida: vc pôs um brinco? nãããoooo….
mas na rua a coisa foi mais impressionante.
andando pela theodoro sampaio, era muito comum alguém gritar de dentro do ônibus: ô viado! ô, bichinha!
não havia tatuados na rua, nem ao menos se andava de bermuda pela avenida paulista.
uma noite, tipo 23h, esperando um ônibus na praça da sé, um carro para do outro lado da rua. o ponto ficava em uma das laterais da catedral. o sujeito fica ali dentro olhando. eu na minha.
dois minutos, cinco minutos, sei lá quantos minutos, um senhor baixo, barrigudinho, meio careca, com seus 60 anos cria coragem de sair do carro, atravessa a rua e vem ao meu encontro.
somente a poucos passos o cegueta percebeu que aquela cabeleira pertencia a um garoto, não a uma garota, e perdeu o pé. pediu mil desculpas, disse que tinha sido um terrível engano e voltou correndo para o carro.
em 1986 compramos uma chácara.
passei a ser conhecido entre os peões e pessoal das casas de material de construção como orlando brinquinho. pra saber onde era, era só perguntar onde era o sítio do brinquinho.
hoje, todos os filhos de caseiros têm brincos, alargadores, tatuagens e andam de bermudas.
de 1978 pra cá, são passados 37 anos. nada, perto da eternidade.
e teve o amigo gay que veio tentar a sorte. continuamos amigos.
sei que não corri risco de vida, nem carrego mágoas ou dores.
são histórias como outras quaisquer e que doeram muito menos do que outras que poderiam ter uma # na frente também.
volto a falar disso.
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