cartunista fortuna tem livro que resgata seu trabalho lançado em sp
da sala ao lado eu podia vê-lo trabalhando.
baixinho, moreno e levemente grisalho, atacava a folha de papel com pinceladas largas e soltas.
de pé, olhava sua charge, soltava uma gargalhada e carregava seu desenho ainda molhado gritando:
– angeli! angeli! olha que do caralho!
quá! quá! quá!
no dia seguinte a charge estava na página dois da folha de s.paulo.
vi o fortuna algumas vezes na redação e, pena, na época não tinha a dimensão do talento e da carreira daquele maranhense de riso fácil e história imensa.
minha ignorância agora é compensada pelo lançamento de "fortuna – o cartunista dos cartunistas" que vai ser lançado em são paulo nesta terça-feira, dia 3, na livraria da vila – vila madalena.
editato pela pinakotheke e organizado pelo caricaturista cássio loredano, o livro de 256 páginas resgata os 50 anos de um dos maiores cartunistas brasileiros e reconta boa parte da história política e do humor do país.
o livro traz muito das primeiras produções quando ainda procurava um estilo e reproduzia o desenho da moda. e outro tanto do desenho e humor que o consagrou como um dos grandes da imprensa brasileira.
sesinho, a cigarra, pif-paf, correio da manhã, pasquim, o bicho, veja, folha, careta, logotipos e personagens antológicos como a madame e seu bicho muito louco. está tudo lá.
imperdível é pouco para adjetivar a publicação.
abaixo, entrevista com cássio loredano e com felipe fortuna, o filho do homem:
blogdoorlando – cássio, o que impressiona no livro é a produção do fortuna. como foi selecionar e editar esse material todo?
Cássio Loredano – Fortuna foi um gigante. Foi duro selecionar, porque seleção implica opção por, que implica eliminação de, o que complica, porque não tem nada ruim no cara.
blogdoorlando – felipe, vc acompanhava essa produção? tinha a dimensão?
Felipe Fortuna – Comecei a acompanhar ali quando tinha uns 7 anos de idade, ou seja, 1970. Gostava de ver caricaturas, acompanhava as historinhas do Henfil (Fradim, Graúna), lia só alguma coisa. Acompanhei pra valer a revista O Bicho, bem mais velho (eu já tinha 12 anos!) e aí, sim, passei a ter noção do que havia ocorrido no Correio da Manhã, na Revista da Semana… O material estava sempre lá em casa, à disposição, e podia consultar à vontade.
blogdoorlando – e o material antigo, de início de carreira, onde foi conseguido?
Cássio Loredano – Fortuna devia ter consciência do próprio valor porque os filhos tinham tudo. Quer dizer: quem guardou foi ele.
Felipe Fortuna – Sim, o Fortuna tinha um arquivo bem organizado, com material publicado e alguma coisa inédita. Ele mesmo me mandou uma carta, ali pelos anos 80, em que propunha uma cronologia dos seus trabalhos.
blogdoorlando – qual são, na sua opinião, os pontos mais relevantes de se resgatar a memória sobre o trabalho do fortuna?
Cássio Loredano – Elegância e refinamento de traço e raciocínio, limpeza formal que reflete a clareza mental do cara, uma inteligência superior. Em sua modéstia e afabilidade, um homem muito culto. Manteve, com Jaguar e Claudius uma sobriedade e uma generosidade que contrasta com certa grosseria da patota, por exemplo com relação a sexo e mulher (e tome a carapuça quem quiser), que foi o embrião da cafajestada em que acabamos.
Felipe Fortuna – A elegância e refinamento do Fortuna, características salientadas pelo Cássio Loredano, vêm de longe: já na Revista da Semana, por exemplo, impressiona perceber como Fortuna já estava preocupado com a linguagem não-verbal (início da sua obsessão pelos logotipos), pelas placas, pelos avisos, pelos sinais gráficos. Grandes cartuns do Fortuna não trazem texto.
blogdoorlando – cássio, vc chegou a trabalhar e conviver com ele?
Cássio Loredano – Nunca trabalhamos juntos. Ele no Rio, eu em SP; depois, ele na Barão de Limeira, eu no balneário. Encontrei-o infelizmente pouquíssimas vezes, nos queríamos beníssimo. Fui uma vez com o Tárik à Marginal Tietê, ele estava na redação, chefe de arte da Veja. Horas memoráveis, homem generoso e afável. Quando voltei definitivamente ao Brasil, 92, Dirceu Brisola me pediu charges para o Memo, suplemento de sábado da Gazeta Mercantil. Digo: você tem um gigante aqui ao lado, na Barão de Limeira, que era onde ele morava. Foi seu último trabalho.
blogdoorlando – e vc, felipe, que acabou indo para diplomacia…
Felipe Fortuna – Diversas vezes ele me mostrava os desenhos, ainda na prancheta. Gostava de ver a minha reação e a dos meus irmãos. Depois voltava a trabalhar, ficava em silêncio horas a fio. Quando escrevi meu primeiro livro de poemas, Ou Vice-Versa, em 1986, pedi que ele fizesse a capa – ficou uma beleza. Não poderia ter sido diferente.
blogdoorlando – como foi viabilizada a edição do livro?
Felipe Fortuna – Foi uma longa jornada diuturna a dentro. Contei com o apoio do Max Perlingeiro e da Camila Perlingeiro, donos da Pinakotheke. Pessoas de extremo bom gosto, voltadas para as artes plásticas, que aceitaram o desafio de editar o primeiro humorista da editora. Espero que estejam rindo até agora, como eu.
blogdoorlando – o livro terá desdobramentos, exposição ou algo parecido?
Felipe Fortuna – O livro, de fato, nasceu de uma exposição que Eliana Caruso organizou em 2009 no prédio dos Correios, no Rio de Janeiro. Depois de um catálogo bem feito, também pelo Cássio Loredano, vimos que havia chegado o momento de colocar a obra do Fortuna para circular. E assim foi. A partir de agora, estamos preparadíssimos para novas exposições.
blogdoorlando – cássio, vc está organizando a obra do millôr. vem uma coletânea por aí?
Cássio Loredano – Agora em Parati, lança-se um livro de 100 frases dele, para as quais selecionei 100 desenhos. Ano que vem, grande exposição e grande catálogo, já estamos metidos nisso. IMS Rio e SP, para começar, mas a idéia é itinerar pelaí.
Cássio Loredano, nasceu no bairro de São Cristovão, no Rio de Janeiro (RJ), em 1948. Filho de oficial da Cavalaria, passou a infância entre os estados do Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Foi também repórter e redator de jornal e radiojornalismo de 1968 até 1972, quando se dedicou exclusivamente à caricatura. Trabalhou nos jornais O Pasquim, Opinião, O Globo e Jornal do Brasil. Morou na Alemanha, França, Itália e Espanha, colaborando para periódicos como Frankfurter Allgemeine Zeitung, Die Zeit, La Repubblica, Il Globo, Libération, Magazine Littéraire e El País.Pesquisador, Cássio organizou quatro livros de desenhos de J. Carlos. Também organizou coletâneas de outros caricaturistas, como Guevara e Figueroa. Publicou Nássara desenhista (1985), Guevara e Figueroa: caricatura no Brasil nos anos 20 (1986), Luís Trimano: desenhos, 1968-1990 (1993), Loredano caricaturas: mancha, traço, página (1994), O Rio de J. Carlos (1998), Carnaval J. Carlos (1999) e Alfabeto literário (2002).
Felipe Fortuna é poeta, crítico literário e diplomata. Estreou em 1986, com o livro Ou Vice-Versa. Traduziu a obra completa da poeta francesa Louise Labé. Em 2012, publicou A Mesma Coisa, de poemas. Vem colaborando na imprensa brasileira com artigos e ensaios sobre literatura, alguns dos quais reunidos nos livros A Escola da Sedução (1991), A Próxima Leitura (2002) e Esta Poesia e Mais Outra (2010). Como diplomata, já trabalhou em Londres, Caracas e Moscou. Atualmente mora em Brasília. felipefortuna@felipefortuna.com
serviço:
fortuna – o caricaturista dos caricaturistas
256 páginas a cores
prefácio de ferreira gullar
lançamento:
3/06/2014 a partir das 19h
livraria da vila
r. fradique coutinho, 915
v. madalena – sp – sp
R$89
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