renato canini, conhecido como pai brasileiro do zé carioca, lança "pago pra ver"
renato canini é gaúcho mas poderia ser mineiro.
no final de 2012 lançou, quase que na surdina, "pago pra ver" uma coletânea de desenhos retratando gaúchos em sua lida, o pampa, cavalos, vacas e todo o universo que o cerca desde menino.
o livro, primoroso, teve organização de fraga, rodrigo rosa, fabio zimbres e texto de contra capa de luis fernando veríssimo.
convidado pelo blog, fraga fala sobre o livro e sobre seu amigo há mais de 30 anos:
blogdoorlando – como surgiu a idéia do livro pago pra ver?
Fraga – A iniciativa foi do escritor Ricardo Silvestrin, então diretor
do IEL (Instituto Estadual do Livro), em 2011. Ele chamou o Rodrigo
Rosa e disse que queria fazer algo com a turma da Grafar
(Grafistas Associados do RS). Queria uma sugestão
para um livro de desenhos. O Rodrigo chamou o Zimbres
e eu pra decidirmos quem seria. Desde 2007 Canini desenhava sem
parar várias seções semanais pro blog Tinta China. Uma delas
http://www.grafar.blogspot.com.br/search/label/pago%20pra%20ver
rendia um livro e, como tema, era consistente, coerente,
acervo único, com traço marcante e abordagens originais.
blogdoorlando – como foi escolher e editar esse material todo?
Fraga – Baita prazer, nós 3 fizemos a seleção numa tarde. Peneira fina
pra separar o trigo do trigo, já que o Canini não
produz joio. Mesmo assim, o autor foi muito mais
rigoroso que nós: na última revisão, cortou uns 40
desenhos, inclusive alguns admiráveis.
Quanto à distribuição no volume, o Canini também nos ajudou
muito, veio com a concepção pronta pro álbum, em 4 tempos:
o pago em paz/o pago em guerra/a cidade invadida
pelo pago/o pago invadido pela cidade. Várias cenas pareciam ter sido
criadas na ordem, foi só ajustar a sequência.
A maior trabalheira, braçal e conceitual, foi do Zimbres. Após meses de produção,o álbum, afinal impresso, ficou grandioso. Ou como
se dizia antigamente: magistralmente bem diagramado.
blogdoorlando – o livro foi lançado no final de 2012 em silêncio…
Fraga – O IEL, em parceria com a Corag, fez uma modesta 1ª edição
de apenas 800 exemplares, fora de comércio.
Por conta dos direitos autorais, o Canini ficou com 25%. Outro tanto
foi vendido pelo próprio IEL em dois lançamentos: o oficial, na
sua sede, em out/12, e depois na Feira do Livro, em novembro.
O restante do estoque se encontra disponível somente no IEL.
A idéia é produzir uma 2ª edição, comercial, com tiragem
à altura do projeto. Planejamos prospectar editoras, algo deve
ocorrer ainda em 2013. O Canini merece um lugar ao sol
nas estantes nacionais.
blogdoorlando – o canini faz o tipo humilde. diga algo que ele não diria sobre si próprio.
Fraga – Ele não faz tipo nenhum, é genuíno o tempo todo. Como ninguém
mais cultiva humildade, soa num diapasão incomum. Mas o Canini
sabe tudo de si e sua expressão gráfica diz tanto a seu respeito que
ele pode se dar ao luxo e prazer da quietude. Civilidade, delicadeza,
valores – todos que se aproximam logo notam essa rara combinação
de modos e conduta. É a sua natureza e dela ele não foge nem em
público nem no particular. O que ele jamais diria dele mesmo?
Embora seja considerado um dos melhores do mundo no humor,
o Canini jamais se gabaria disso. Porque, na verdade, não se gaba de nada.
canini, o pai do zé carioca, nunca esteve no rio de janeiro
sempre que se surpreende com algo, canini exclama: socorro! e não são poucas as coisas que o tem surpreendido. a violência, a pompa da igreja católica, as empresas evangélicas, cartunistas de saia, o tamanho do livro que lançou.
o desenhista vive a pacata vida de aposentado na cidade de pelotas. levanta às 9 ou 10h da manhã, toma café e lê ao menos cinco capítulos da bíblia antes de ir mexer no jardim. segundo sua mulher, maria de lourdes com quem é casado há 17 anos, ele é generoso e bom, como um bom cristão deve ser.
no fim do ano passado, lançou o livro "pago pra ver" pelo instituto estadual do livro e impresso pela companhia rio-grandense de artes gráficas.
com edição de fraga, projeto gráfico de fabio zimbres, texto de contra capa de luis fernando veríssimo e tiragem pequena, o livro é uma obra prima que traz desenhos recentes feitos para a coluna de mesmo nome no blog tinta china que reúne artistas gaúchos.
artista gráfico referência, o chamado "pai do zé carioca" continua mandando bala e procurando outras alternativas para seu desenho.
aos 77 anos, desenha, xeroca, desenha por cima e abusa do preto e das sombras.
leia a entrevista onde ele fala de sua vida e do livro, sempre comendo boa parte dos "plurais", como todo bom gaúcho:
blogdoorlando – como foi sua infância?
canini – nasci em paraí em 1936 mas saí de lá com 1 ou 2 anos. tenho 3 irmã, duas mais velha e outra mais moça. meu pai era farmacêutico.
blogdoorlando – e o que vc fazia?
canini – ah, eu era horrível, né? apanhava do pai que era uma coisa. eu saia pro mato de manhã e só voltava de noite. então, tinha que apanhar mesmo.
até um relhinho ele comprou.
matava passarinho com funda, era um tempo louco mas a infância foi curta porque o pai morreu e eu tinha 10 (anos).
cada irmão foi pruma casa e eu fui morar em garibaldi com uma tia e a vó, a mãe do pai.
a vó gostava de mim mas a tia… foi incompatibilidade de gênios. não deu nem um ano me mandou pro internato. aprendizado agrícola de gravataí.
tinha uma garotada de 8, de 10, 18 e eu tinha 12. de manhã a gente estudava e à tarde pegava a enxada e ia capinar.
depois de um ano escrevi pra minha tia "me tira daqui que eu me comporto!".
mas ela me dizia uma coisa, eu respondia e me exportou pra outro internato. não tinha jeito.
nós dois era um atrito.
blogdoorlando – e sua mãe?
canini – a mãe não tinha condições. nessa época as mulher não trabalhavam. ela ficou em palmeiras das missões e cada um prum canto.
a cada ano, nas férias do colégio, a gente se reunia, pegava o trem, aquela coisa toda.
o pai tinha sido ferroviário. sofreu um acidente e ficou com um olho de vidro.
a gente se reunia e depois cada um voltava pra sua casa. e assim ia levando.
blogdoorlando – e nessa época vc já desenhava?
canini – eu sempre gostei de desenhar. meu pai era desenhista. o sangue de desenhista veio do pai mas naquele tempo não tinha condições de ser desenhista. então isso morreu com ele. mas me incentivava, me punha em cima do balcão pra desenhar. me dava muita força. eu desenhava no papel de embrulho.
blogdoorlando – e vc continuou com a tia?
canini – fiquei mais uns dois anos, tomei pau na admissão, estudei em passo fundo e com 18 fui pro quartel, servir na cavalaria.
blogdoorlando – vc já trabalhava com desenho?
canini – como eu gostava de desenhar e era da igreja metodista, eu mandava pra são paulo, pra revista bem-te-vi e publicavam.
em 57 eu tava com 21 anos fui fazer contabilidade porque minha tia queria que eu fosse trabalhar num banco, ter um emprego.
mas eu mandei uns desenhos pruma revista infantil chamada cacique, em porto alegre. me aceitaram e aí começou minha carreira.
morei um ano com uma tia, irmã do pai.
fiquei 10 anos funcionário público. a revista durou 3 e ficavam me mandando pruma seção do estado diferente.
arquitetura eu tinha pavor. eu nunca fui de régua.
blogdoorlando – vc achava que já tinha um estilo?
canini – eu copiava adoidado. tinha que desenhar uma formiga, eu copiava um esquilo, punha anteninha.
mas tudo na hora certa…
e continuava mandando meus desenhos pra metodista, fui contratado e fiquei morando em são paulo por dois anos.
agora eu leio a bíblia todo dia mas naquela época era aquela mulherada, levando pro apartamento, aquela lida…
eu estava andando pelo centro e vi a revista recreio numa banca. mandei uns desenhos na editora abril. naquele tempo era fácil arrumar trabalho.
me aceitaram e era uma sala grande, metade da recreio, metade da disney.
eu achava são paulo uma loucura já naquele tempo, tava querendo voltar para porto alegre quando o igayara (waldyr igayara de souza) perguntou se eu não queria tentar desenhar o zé carioca.
eu fazia os desenhos em porto alegre e mandava pelo malote.
trabalhei durante 6 anos até ser demitido.
como não queria ficar desempregado, passei a escrever roteiros pra disney, zé carioca, pato donald, etc. escrevi uns 50.
blogdoorlando – vc era um artista que tinha um traço próprio e original. como foi se adaptar a um estilo mais padronizado, como o da disney?
canini – aí que foi o problema. desde que eu comecei o tema era livre, eu desenhava elefante redondo quadrado e o zé carioca era aquela diciplina. tinha que ter 5 barbelinha de um lado, cinco de outro, tinha que ficar contando.
eu não podia me soltar muito. aquilo foi brabo.
mas, pra mim, o melhor desenho do zé carioca era dos americanos. imbatível!
o zé carioca de charuto. hoje em dia seria inadmissível.
blogdoorlando – paralelamente vc desenhava outras coisas?
canini – em porto alegre entrei em contato com os cartunistas, o fraga, o edgar vasques, o santiago e mandei umas coisas para o pasquim.
aí eu tava já meio perto de me aposentar, fui fazendo uns free-lances, nem sei como que a gente sobrevivia de desenho nessa época.
ainda bem que passou rápido.
blogdoorlando – vc tinha alguma crise com o seu desenho?
canini – pois é, cada um tem uma experiência diferente, a gente vai mudando o estilo, vai simplificando, aperfeiçoando. é como acontece com todo mundo.
blogdoorlando – dos seus personagens, quais os que vc mais gosta?
canini – tem o dr. fraude que eu fiz porque sou evangélico como contraponto do verdadeiro dr. fraude (freud) que é ateu.
na abril teve o cactus kid que eu pretendia me largar mais, bagunçar com os gaúchos mas acabou a revista e acabou meu sonho.
blogdoorlando – o que vc acha que tem na água do rio grande do sul que tem tanta gente talentosa?
canini – ah, mas são paulo tem mais!
blogdoorlando – proporcionalmente talvez não. vc acha que faz parte de uma turma?
canini – eu não me acho muito bom, vou levando.
eu sempre acho que podia ser melhor, me arrependo dos desenhos, acho que a solução podia ser outra, sou um pouco perfeccionista. mas não muito…
blogdoorlando – e política?
canini – eu era muito alienado. meu primo claudius era mais politizado que eu.
com os militares baguncei bastante. ainda bem que não me prenderam.
blogdoorlando – como surgiu a idéia do livro?
canini – uns 30 anos atrás a gente já fazia umas exposições sobre gaúchos mas nunca fizemo um livro sobre isso. minha infância sempre tinha férias na fazenda e minha vó disse que o primeiro neto ganharia uma petiça (eguinha pequena) e eu fui o primeiro neto.
eu não queria avacalhar muito com os gaúchos e comecei a usar os cavalos, cavalo conversando, essas coisas.
o fraga criou o tinta china (blog da grafar, entidade que reúne desenhistas gaúchos) e pediu uns desenhos. lá pelas tantas ele achou que dava um livro. eu não achei que fosse ser um livro grande assim.
blogdoorlando – e "pago pra ver" é um trocadilho, né?
canini – o pago, pra nós, é o pampa. então o nome tem dois sentidos assim.
blogdoorlando – o livro traz desenhos bem diferentes do que vc vinha fazendo.
canini – ah, usei e abusei do preto. vamos gastar tinta e gastar dinheiro.
foi de propósito, tentei imitar xilogravura com caneta.
o preto tem muita força.
blogdoorlando – o que é ser gaúcho?
canini – é desdobrar fibra por fibra o coração. de quem é essa frase mesmo, lourdes?
é a volta ao amor à terra.
blogdoorlando – e tem memórias de infância nesses desenhos…
canini – tem a infância inteira com cavalo, vaca, servi 10 meses na cavalaria, o tempo todo tem cavalo.
meu cavalo, o pinhão, era cego de um olho…
blogdoorlando – assim como seu pai!
canini – é. aí eu desenhei na baia dele e escrevi: não é nada, pinhão, camões também era cego.
um dia o comandante tava fazendo revista, viu, mandou apagar e ainda me deixou um dia preso no quartel.
socorro!
blogdoorlando – vc ainda lê quadrinhos?
canini – não muito. de vez em quando compro uns álbuns. tem o moebius, que é muito bom, essa turma francesa…
eu comecei a ler quadrinhos com 10 anos, a emoção que a gente tinha não se compara.
tom mix, capitão américa, batman… a gente não tinha dinheiro pra comprar, ganhava e ia correndo pra casa pra ler.
blogdoorlando – o ilustrador guazzelli (guazzelli fez tese de mestrado sobre canini) pergunta sobre as assinaturas que vc colocava em suas histórias. era bem subversivo assinar na linha de montagem.
canini – naquela época ninguém assinava nada. bom, o maurício também não põe a assinatura de ninguém até hoje, né?
eu comecei a colocar marcas como arroz canini, feijão canini, cantina do canini.
e tinha um caramujinho que eu fazia pequenininho puxando uma tomada só de brincadeira. tô passando por aqui.
blogdoorlando – o ilustrador paulista daniel bueno pergunta sobre a padronização do estilo disney. seria melhor uma diversidade de traços ou é aceitável ser tudo muito igual.
canini – cada um leva seu estilo. ali sou eu. tentei melhorar um pouco mas o padrão disney é muito forte e por isso comigo não deu certo.
blogdoorlando – como não deu certo?
canini – eu tava inventando personagens, solas de sapatos chatinhos e eles queriam sola grossa, o nariz tinha que ser de outro jeito. isso me irritava.
a soltura era necessária, diversificar mas a disney não permite.
eu tinha liberdade pra fazer tudo a partir de porto alegre. rafeava, finalizava tudo e mandava pelo malote. nunca voltava com alterações.
blogdoorlando – o cartunista adão pergunta…
canini – ele continua com a aline? eu como crente não faria o que ele faz…
blogdoorlando – ele pergunta o que vc achava do disney.
canini – é tipo maurício de souza. dizem que nunca foi bom desenhista mas reuniu uma turma boa. fez coisas maravilhosas.
eu gostava dele.
blogdoorlando – o laerte, cartunista, não quis perguntar nada mas te mandou um beijo.
canini – o laerte é gênio. uma vez ele veio me procurar mas eu não estava. uma pena.
agora ele tá com essas coisas, né? parece que ele sempre vai falar que é uma pegadinha, que tava enganando todo mundo…
socorro!
blogdoorlando – vc tem visto coisas novas?
canini – não, não tenho visto nada. não tenho internet.
nem vou ter.
blogdoorlando – vc gosta de viajar?
canini – detesto. pra sair de pelotas já é um sacrifício.
nunca saí do brasil. na verdade só viajei a são paulo naquela época e pra minas quando fui homenageado no festival internacional de quadrinhos poucos anos atrás.
blogdoorlando – nem pro rio?
canini – não, não conheço o rio.
serviço:
Pago pra ver
de Renato Canini
212 páginas
250 desenhos
R$60
IEL/Atendimento ao público:
Rua André Puente, 318, Independência,
Porto Alegre, RS, Cep 90.035-150.
Fones: 51 3314.6450 / 3314.6451
http://ielrs.blogspot.com.br ou escreva para iel@sedac.rs.gov.br
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