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a agonia dos salões de humor

Orlando

21/08/2012 15h35

salvo engano, o brasil é o país que já teve o maior número de salões competitivos do mundo.
legal, né?
talvez não.
salões de humor, no formato que conhecemos, acontecem em países onde o mercado não consegue dar trabalho para seus artistas.
no mundo civilizado, as mostras apresentam a produção do ano e premiam os que se destacaram nas páginas impressas de jornais e revistas.

como quase todos os eventos da área, salões são idealizados e tocados por alguns poucos abnegados que recorrem às parcas benesses do dinheiro público ou de renúncia fiscal para que aconteçam.

e dá-lhe mágica!

os mais antigos salões do brasil começaram no início dos anos 1970 e serviram para que artistas do humor tivessem um espaço onde suas vozes fossem ouvidas. eram iniciativas apoiadas por  cartunistas do porte do jaguar, fortuna, zélio, ziraldo e millor. ali, se concentravam a nata e o talento daqueles que não estavam em busca de um prêmio mas sim de expressar sua indignação com os desmandos do governo militar.

com a abertura e o o desaquecimento da economia, o cenário mudou radicalmente e salões se estagnaram num formato pra lá de manjado e nitidamente falido.
a qualidade dos trabalhos caiu drasticamente e desenhistas, ao invés de inovarem, repetem as velhas fórmulas de vencedores de outros concursos.
ironicamente, a qualidade das caricaturas aumentou muito. talvez porque nessa categoria valha mais a técnica do que o conteúdo. como sabemos, fazer uma piada (e principalmente fazer uma boa piada) continua sendo muito difícil.

há, portanto, uma série de questões a serem levantadas.

primeiro, salões acontecem em países onde o mercado é indigente.

segundo, artistas participam de salões esperando que o sol brilhe em algum momento.
isso inclui a participação maciça de artistas do leste europeu e ásia, especialmente china. na grande maioria, países onde também não há muito trabalho ou que a liberdade de expressão é cerceada.
a participação de cartunistas de primeiro mundo conta-se nos dedos.
muitos ainda contam com um possível prêmio como complementação da renda.

terceiro, desenhistas se contentam em repetir fórmulas de outros carnavais, inovando e se informando pouco.
a maior parte dos salões brasileiros são internacionais e a participação dos cartunistas tapuias em temas globais é pífia ou, no máximo, pega-se um tema lugar comum que rolou no jornal nacional ontem e faz-se uma piadinha.
isso criou o participante profissional, o cara que se inscreve em tudo quanto é salão do mundo na esperança de ser um dia reconhecido ou que lhe pingue uns cascalhos na conta.

quarto, é visível a dificuldade em se levantar recursos para a realização de eventos de humor.
praticamente todos sofrem com as dificuldades de captação seja de recursos públicos quanto da iniciativa privada.
a falta de interesse em se patrocinar e se apoiar eventos de humor deveria ser alvo de estudos. simplesmente não há recursos destinados a isso e o pouco que houve foram cortados ou devem ser negociados a cada edição.

quinto, a fórmula.
salões deveriam criar um ambiente de troca intensa tanto intelectual quanto artística.
os poucos salões que ainda se mantém em pé, se dão por satisfeitas com uma confraternização no coquetel de abertura e só.
raros são os casos onde acontecem palestras e oficinas, onde a troca profissional seja discutida aberta e profundamente.

eu estava disposto a não citar nomes mas, sem querer ser injusto com outros, não posso deixar de pontuar alguns eventos que se destacaram por seus diferenciais.
cito, especialmente o profissionalismo do salão de pernambuco que era apoiado pelo governo do estado e o de teresina pelo seu formato.

o de pernambuco era o único salão onde você recebia toda a programação com semanas de antecedência, com datas, horários, artistas internacionais e deveria servir como referência para todos os organizadores de eventos de humor.

o do piauí, um dos mais pobrezinhos e que tenta sobreviver à duras penas, tem um formato interessantíssimo já que leva as exposições para as ruas e avenidas da cidade com a construção de tendas onde os trabalhos ficam expostos e por onde a população é obrigada a passar.
além disso, todas as noites há um grupo de choro, um festival de rock e quando há recursos, shows de música e dança tradicionais. uma semana de coisas acontecendo em plena praça pública.
todos os convidados se comprometem a dar oficinas para crianças da rede municipal de ensino e para interessados.

humor é coisa séria e assim deveria ser encarado, principalmente por cartunistas.
salões de humor continuam sendo uma idéia simpática e possível.
há, sem dúvida, gente bem intencionada e capaz de inventar um novo formato de evento que envolva mais os profissionais, que agregue e incentive os novatos mas que, principalmente, traga à tona o espírito livre e crítico dessa arte que muitos ainda acham que deve ser tomada misturando um pouco de água e açúcar.

PS. na semana passada, quando o esqueleto do texto acima já estava construído, rodou pelas listas de desenhistas uma convocação para uma "excursão ilustrada", ação paralela do salão de piracicaba que abre neste próximo sábado, dia 25.
a excursão toma como ponto de partida o bem sucedido "bistecão ilustrado", encontro mensal de desenhistas no tradicional restaurante sujinho na rua da consolação em são paulo. criado pelo ilustrador kako e gerenciado por hiro kawahara, o evento não só se tornou uma referência como inspirou outros encontros, nos mesmos moldes, em outros estados do brasil.

um evento onde um ônibus sai de são paulo às 16h, transporta 40 artistas até o local da abertura por duas horas e meia, depois até um bar (onde cada um arcará com suas despesas) e os devolvem à uma estação de metrô às 4 da matina não me parece ser exatamente um plano de inclusão ou de troca de experiências.
por isso, escrevi o texto abaixo e o enviei para as listas onde a convocatória estava sendo feita.

deixo claro que tanto o salão quanto os desenhistas têm e devem ter autonomia para patrocinarem e aceitarem qualquer tipo de realização.
deixo bem claro também, o quanto eu (assim como grande parte dos desenhistas) tenho carinho pelo salão de piracicaba.
ali, novato, ganhei algumas menções honrosas, fiz parte do juri de premiação, me coloquei à disposição assim como fiz duas individuais. uma na casa do povoador e outra em comemoração aos meus 30 anos de profissão.
a minha opinião sobre salões e sobre piracicaba, especificamente, sempre foi clara e declarada a todos da organização e aos cartunistas.

ao texto:

– o salão de piracicaba foi criado em 1974 em plena ditadura militar.
cartunistas encontraram em piracicaba um lugar onde pudessem, de forma crítica, inteligente e bem humorada, criticar o governo que vinha torturando e assassinando cidadãos.
nesse grupo de artistas estavam nomes como jaguar, millor, zélio, ziraldo, alcy e fortuna entre outros.
e tamanha foi sua importância na cultura gráfica, que passou a ser referência não só no país como fora dele.
ali despontaram nomes como o do glauco, angeli, laerte, irmãos caruso e mais algumas dezenas de expoentes do humor nacional.

quem acompanha as listas de desenhistas sabe que em dezembro de 2009 a zétti, coordenadora do salão por quase 30 anos, foi afastada de seu cargo dois dias antes do natal e com todos os funcionários da secretaria da cultura em recesso.
a aqc, o mag e a sib enviaram documento de repúdio e mais algumas dezenas de solicitações todos rigorosamente ignorados pela prefeitura e pela secretaria da cultura.

depois de insistentes manifestos, aconteceu em são paulo uma reunião com os representantes das entidades e do salão.
todos colocaram seus pontos inclusive sobre o direito legal de um órgão público afastar um funcionário.
essa não era mais a questão.
o que ficou claro é que a gestão do salão fazia questão de manter os cartunistas e colaboradores afastados de toda e qualquer decisão.
num salão como o de piracicaba isso não faz o menor sentido.

no ano de 2010, dado o impasse, as entidades propuseram um boicote ao salão e o esvaziamento ficou evidente. importantes cartunistas se recusaram a participar assim como boa parte dos artistas convidados para integrar o juri.
entidades estrangeiras, como a feco, também se posicionaram contra os desmandos e se recusaram a participar.
de lá pra cá há um esforço enorme do salão em mostrar que está vivo. só se esquecem de qual a essência a ser mantida: a independência.
de um salão político, piracicaba se tornou um salão politiqueiro.

no dia da abertura a solenidade leva cerca de duas horas entre discursos e agradecimentos.

edu grosso, grande cartunista da cidade e coordenador do salão desde a saída da zétti, é um grande figura e dedicado ao evento mas isso não basta.
o nó está dentro de um ou dois gabinetes. gabinetes esses que se recusaram a conversar sobre organização, estrutura do salão, aumento dos prêmios, oficinas, palestras mas que não se furtam a encher o salão de penduricalhos periféricos para dar a impressão de um grande acontecimento.

o salão, assim como os artistas têm todo o direito de fazer o que bem entender mas acho justo todos saberem dos fatos para que não entrem nessa como inocentes úteis.

 

 

 

 

 

 

Sobre o autor

Orlando Pedroso é artista gráfico e ilustrador, trabalhou com praticamente todas as publicações da grande imprensa. Foi colaborador da Folha de S. Paulo de 1985 a 2011. Ilustrou mais de 60 livros infanto-juvenis e é co-autor de “Livro dos Segundos Socorros” e “Não Vou Dormir” – finalista do prêmio Jabuti de 2007 nas categorias “ilustração” e “melhor livro”. Foi vencedor do Prêmio HQ Mix de melhor ilustrador nos anos de 2001, 2005 e 2006. Expôs nas mostras individuais como “Como o Diabo Gosta”(1997) , “Olha o Passarinho!”(2001), “Uns Desenhos” e “Ôtros Desenhos” (2007). Em 2008, faz uma exposição retrospectiva de 30 anos de trabalho como artista convidado do 35º Salão de Humor de Piracicaba.- É autor dos livros Moças Finas, Árvres e do infantil Vida Simples, e membro do conselho da SIB – Sociedade dos Ilustradores do Brasil.

Sobre o blog

Este blog trata de artes gráficas, ilustração, cartum, quadrinhos e assuntos aleatórios.

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