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daniel gnattali abre individual em santa teresa, no rio de janeiro

Orlando

16/10/2015 12h52

era um ilustrabrasil! no rio de janeiro. já não me lembro qual, mas já faz uns anos. o ilustrabrasil! era um evento que fazia parte do calendário da sib – sociedade dos ilustradores do brasil e que acontecia em são paulo e rio.
na primeira fila estava um sujeito alto, de cabelos quase ruivos e postura nerd. enquanto rolavam as palestras, esse sujeito escrevia, anotava e desenhava o que seus atentos ouvidos estavam "vendo". com paciência tibetana pinçava frases, trejeitos, piadas e fazia um divertido painel do que tinha rolado naquela hora e meia.
era daniel gnattali, carioca, formado em design gráfico, artista visual, hoje com 29 anos.
muita água rolou por baixo da ponte e seus projetos e inquietações se ampliaram tomando novos formatos, novas cores e filigranas.
a exposição que abre neste sábado num casarão da charmosa santa teresa é composta por cópias digitais assinadas e numeradas e originais produzidos com nanquim e aquarela.
na entrevista abaixo ele fala sobre a exposição, novas perspectivas e viagens:

blogdoorlando – te conheci anos atrás desenhando as palestras de eventos como o ilustrabrasil!, evento da sib. o que mudo para vc de lá para cá?
Daniel Gnattali – Na época eu andava fazendo quadrinhos, pois era a melhor forma que tinha de dizer o que eu tinha a dizer. Assim, muito influenciado pelos quadrinhos autobiográficos do Liniers e do Arnaldo Branco, comecei a fazer os meus. A ideia de cobrir as palestras da SIB veio da ambição de penetrar na cena dos quadrinhos e ilustração carioca. Eu estava começando a trabalhar com ilustração e já via uma galera na ativa, como o pessoal da Beleléu, e resolvi que precisava me enturmar. Não sabia se ia dar certo (e o Marcelo Martinez até comentou depois que achou que eu não ia dar conta rs), mas no fim foi ótimo. A partir daí continuei a cobrir outros eventos e até fiz disso um ganha pão cobrindo a FLIP pela Travessa e alguns shows do Bloco do Sargento Pimenta, mas aos poucos outras linguagens foram chamando minha atenção. Então houve um período em que tentei me forçar a cobrir alguns eventos para aproveitar os benefícios e os louros que poderiam vir disso, mas realmente não estava mais tão afim. Um dos motivos foi que, por conta do timming, eu desenhava tudo de primeira, sem rascunho e muitas vezes me via frustrado, pensando que, caso tivesse projetado um tico melhor, poderia ter tido um resultado muito mais fantástico. Claro que nessas coberturas isso não era possível, mas depois que comecei a curtir a calma em compor a imagem acabei naturalmente abdicando desses quadrinhos acelerados.

blogdoorlando – essas historinhas pinçadas das palestras tinham uma narrativa muito divertida. como isso se reflete no seu trabalho atual?
Daniel Gnattali – Eu  criava os textos e os quadros e desenhava, tudo junto (a ordem das histórias é a ordem cronológica da criação). Apesar de ter reclamado disso na resposta acima, de certa forma era bom, pois, sem tempo pra elaborar muito, o que está ali é muito próximo daquilo que eu realmente sou. O meu humor nunca foi muito ácido, tampouco escrachado. Eu diria que é "reflexivo" (até porque as coberturas, apesar de serem registros factuais, são impressões minhas sobre os eventos) e acho que isso é o que mais se reflete no meu trabalho atualmente, seja num cartum com um texto que direcione a essa reflexão ou numa obra que transpire e simplesmente induza o espectador a esse estado.

blogdoorlando – o seu trabalho tem uma composição complexa, recheada de cenas, personagens, quase sem espaços em branco. qual suas influências?
Daniel Gnattali – As ilustrações oníricas do Shaun Tan me influenciaram muito, principalmente no sentido de eu olhar e pensar "ei, quero criar meus mundos também" e certamente tem um dedo do Martin Handford, autor do clássico "Onde está o Wally?". Desde 2009 houve um crescente interesse pelas pinturas tradicionais dos países que visitei (e do Brasil também), portanto certamente há influência do artesanato mexicano, peruano, equatoriano, boliviano, indiano, turco, xinguano, zambiano, tailandês, cambodiano… Um dia, na casa da minha mãe reparei num quadro que esteve sempre ali, desde que me entendo por gente. Nunca tinha dado muita bola, mas nesse dia ficou claro pra mim que há uma grande chance daquela memória ter perseverado de forma a influenciar no que faço hoje. O quadro é do Kennedy Bahia.

Me identifiquei muito com o seu trabalho quando conheci as "Filosofias Baratas me São as mais Caras", ainda na época das coberturas, e talvez tenha sido meu primeiro contato com a poesia de uma forma que fizesse sentido pra mim. Depois conheci Drummond na FLIP, Leminski na sequência e enveredei por esse lado mais poético nos cartuns e implicitamente nas ilustrações atuais.

Mas um divisor de águas foi a ilustração pro áudio documentário "Imbatível ao extremo: Assim é Jorge Ben Jor", do meu amigo Paulo da Costa e Silva. Eu já vinha explorando essa questão de projetar melhor o desenho e o Paulo apareceu com essa encomenda. Expert na obra do mestre, deu linda direcionada e sugeriu diversos temas que compõem o riquíssimo universo lírico do Jorge Ben, com seus personagens flanantes, espaços siderais, figuras históricas, brasilidade e otimismo. O resultado foi um achado pra mim e esse é o momento mais claro de quando comecei a assumir essa identidade caoticamente harmônica ou harmoniosamente caótica. Posso então dizer que a obra do Jorge Ben é uma influência na minha obra. veja aqui.

blogdoorlando – uma das grandes dificuldades de alguns artistas é fazer com que trabalhos autorais e comerciais convivam em paz. como é no seu caso?
Daniel Gnattali – Um dos questionamentos que a exposição propõe é o da ilustração como obra de arte. Vários dos trabalhos que estou expondo foram encomendas, ou trabalhos "comerciais", mas pelos quais eu nutro um carinho autoral. E se você descontextualizar alguns deles deste ambiente comercial nada impede de poderem ser apreciados como obras atemporais ou independentes. Já em outros, a criação artística e os rastros da encomenda estão tão amalgamados que é impossível dissociá-los. Mas ainda assim podem ser apreciados como fruto de uma inspiração ou uma expressão artística. Essa é uma questão relativamente nova pra mim. Em termos plásticos, meu trabalho ganhou uma identidade forte nos últimos anos e a maioria dos meus clientes já me chamam esperando esse tipo traço ou estilo. Sendo assim, seja um trabalho comercial ou autoral ele terá minha cara e passará pela minha expressividade, portanto acho que convivem bem. Grande parte da minha obra vem de influências externas – encomendas, mas não menos autoral por isso – e montar essa exposição me fez parar para analisar esse fato e querer me aprofundar nessa questão.

blogdoorlando – em 2014 vc foi à áfrica num projeto da unesco. conte um pouco.
Daniel Gnattali – O governo da Zambia estava (ainda está, provavelmente) implementando um programa chamado "Social Cash Transfer", que é como um Bolsa-Família, mas um pouco mais simples em tese e complicado na prática. Muitos dos que o programa quer alcançar não tem CPF sequer, conta em banco nem se fala. E assim como o dinheiro direcionado ao programa, os critérios de avaliação são sempre insuficientes para abarcar todas as matizes de problemas existentes. Como setorizar quem é o mais rico se um tem uma vaca e o outro tem três galinhas? Mas o da vaca tem dois filhos e, o da galinha, uma esposa cadeirante… Enfim, fui contratado por uma empresa londrina que ganhou um edital da Unicef para ajudar na implementação de políticas públicas em países africanos. Basicamente eles tinham que treinar pessoas dos órgãos distritais para aplicar os formulários e iniciar o processo de seleção daqueles que seriam contemplados. Fui achando que iria simplesmente desenhar o que quer que fosse proposto, mas acabei efetivamente participando da feitura do projeto, até sugerindo texto e formas de transmitir a informação de forma clara e inteligível. Foi um desafio que certamente não teria dado conta de aceitar caso não tivesse estudado design gráfico – que quase já não me atrai como profissão, mas é um poderosíssimo complemento para meus trabalhos de ilustração e/ou artes visuais.

blogdoorlando – qual sua relação com as viagens? aliás, qual a grande viagem?
Daniel Gnattali – Gosto muito. Não me programo, mas acabo sempre viajando pelo menos 2 vezes por ano. Não necessariamente grandes viagens internacionais, mas simplesmente sair um pouco. Viajar me faz bem, pois visitar outros mundos e modos de vida é uma ótima maneira de relativizar as coisas. Esse processo de relativização ajuda a eliminar ou, ao menos, aplacar comportamentos e sentimentos malignos incrustados em nós, como o racismo e o radicalismo em qualquer instância. Ajuda, inclusive, a não ser radical contra quem é radical, o que tem até me levado a resgatar um viés religioso que já está aparecendo despretensiosamente no meu trabalho. Um texto cristão ou hebreu, um mantra, uma filosofia taoísta, um estudo alquímico ou uma análise de Kandinsky sobre o espiritual na arte, todas essas formas estão de certa maneira nos apresentando alternativas de crescer como pessoas, seres humanos. Cada um com seus preceitos (ou receitas rs), mas necessariamente passam por abdicar de questões materiais para encontrar-se com a alma. E acredito que o primeiro passo para esse movimento de interiorização é enxergar o interior no exterior. Perceber que talvez mais da metade das nossas impressões do que vem de fora são reflexos de nossos próprios sintomas, que os sinais do mundo são nossos próprios sinais. Portanto, acho que conhecer o mundo é se conhecer. Esta é a minha grande viagem, que estou apenas começando.

 

serviço:

Exposição Desdobramentos
Daniel Gnattali
fb: www.facebook.com/gnattaliilustracao
insta: instagram.com/danielgnattali

Centro Cultural Municipal Laurinda Santos Lobo
R. Monte Alegre, 306 – Santa Teresa – Rio de Janeiro
Abertura: 17 de outubro a partir das 15h
Até: 8 de novembro
Visitação: terça a domingo das 10h às 19h
entrada gratuita
Preços das obras: de R$80 a R$700

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Sobre o autor

Orlando Pedroso é artista gráfico e ilustrador, trabalhou com praticamente todas as publicações da grande imprensa. Foi colaborador da Folha de S. Paulo de 1985 a 2011. Ilustrou mais de 60 livros infanto-juvenis e é co-autor de “Livro dos Segundos Socorros” e “Não Vou Dormir” – finalista do prêmio Jabuti de 2007 nas categorias “ilustração” e “melhor livro”. Foi vencedor do Prêmio HQ Mix de melhor ilustrador nos anos de 2001, 2005 e 2006. Expôs nas mostras individuais como “Como o Diabo Gosta”(1997) , “Olha o Passarinho!”(2001), “Uns Desenhos” e “Ôtros Desenhos” (2007). Em 2008, faz uma exposição retrospectiva de 30 anos de trabalho como artista convidado do 35º Salão de Humor de Piracicaba.- É autor dos livros Moças Finas, Árvres e do infantil Vida Simples, e membro do conselho da SIB – Sociedade dos Ilustradores do Brasil.

Sobre o blog

Este blog trata de artes gráficas, ilustração, cartum, quadrinhos e assuntos aleatórios.

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