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não vou mas defendo quem queira ir

Orlando

14/08/2015 15h43

 

anos atrás reclamávamos da inércia e desinteresse do povo brasileiro e invejávamos a altivez do povo argentino, politizado e sabedor de seus direitos.
reclamávamos das patrulha ideológicas que tentavam, a todo custo, impor suas ideias estáticas e monolíticas.
chegamos às vésperas de mais uma manifestação contra a presidente dilma e contra "tudo o que está aí".
a pauta é dispersa mas não torna a manifestação menos legítima.
num cenário com coxinhas e petralhas em pleno campo de batalha, a fúria e a falta de bom senso torna qualquer tentativa de debate um suplício sem fim e sem vencedores.

um dos argumentos mais recorrentes é o de que não se ouvem panelaços nas favelas e na periferia e isso pode ser bem verdade.
me incomoda o argumento de que isso não acontece porque as panelas estão cheias. isso cheira a simplismo demais.
depois, 71% de descontentes com o governo é um número grande demais para acharmos que só os ricos estão reclamando.
aí penso nos ricos que reclamam.
não consta que as dondocas dos jardins, os milionários do morumbi ou os banqueiros da avenida paulista tenham batido panelas a partir de suas sacadas. não acredito, tampouco, que ricos tenham subido ao deck de seus iates em búzios ou angra para marretarem panelas.
me parece mais razoável que o barulho seja causado por uma classe média espremida entre a nova classe c e os mesmos e eternos milionários de sempre.
uma classe média que passou a ser considerada rica, reclamona e incomodada com a possibilidade de ganhos das classes menos abastadas.
ora, quando falamos de gente descontente, falamos basicamente de perdas. ninguém no planeta quer perder. nem eu, nem vc.
a nova classe c, que voltou a ser d ou c menos, estava feliz com a possibilidade de crédito e financiamento de bens. menos importou a qualidade de ensino dos filhos ou o transporte sucateado perto da possibilidade da tv 62" e do microondas reluzente.
o governo que possibilita o consumo é sempre bem avaliado.
quando a casa caiu, o coro dos descontentes aumentou, o país voltou a ser uma merda, todos os políticos voltaram a ser corruptos e os níveis de confiança despencaram.

as velhinhas de taubaté continuam achando que está tudo lindo e que tudo é pressão da direita para derrubar um governo de esquerda.
eu sou contra o impeachment da presidente dilma só por conta de seu baixo desempenho e, ao mesmo tempo, não posso acreditar num avanço perigoso da direita.
temos, sim, um avanço descomunal do conservadorismo, esse bicho que sempre aparece quando a situação fica feia e aperta os bolsos.
arrisco a dizer que todo representante da direita é conservador mas nem todo conservador é de direita e o risco de um golpe, hoje, beira o zero.
polícia, milícias e outras facções surgem em terras sem dono e muito pouco têm a ver com golpes políticos.
a oposição faz seu papel no teatro. veja aqui, aqui e aqui.

as velhinas de taubaté são contra manifestações que reclamem do atual governo. elas enxergam a classe média (esses ricos) incomodada com "pobres" nos aeroportos ou em seu próprio carro nas ruas do país.
meio bobo isso, não?
essa classe média está sufocada, paga impostos demais, se diverte de menos, tem medo do desemprego, se preocupa com a segurança e futuro dos filhos.
e ela vê todo seu sacrifício indo pelo ralo do mesmo modo que a classe c também percebe, agora, as perdas de suas recentes conquistas.
os ricos de verdade, os muito ricos e os milionários se compadecem mas, fazer o que, né? o brasil é assim mesmo…

poder protestar é uma conquista de nossa jovem democracia e devemos dar graças por isso.
é bom que possamos tirar foto com o pm ou com o zé dirceu. é bom que possamos bater panela na rua ou ir ao parque com os filhos.
é bom que stédiles e bolsonaros tenham voz. é bom que jean willis e felicianos tenham voz.
é bom que as conquistas sociais sejam aplaudidas e que o desperdício seja condenado.
é bom que possamos.
e é bom que as pessoas reclamem.
congressistas de TODOS os partidos aumentam seus próprios salários, têm 13º, 14º e uma infinidade de benefícios para fazerem mal seu trabalho.
isso não pode ser considerado uma pauta conservadora.
lembrar, também que o impicho do então presidente collor se deu pela pressão dos caras pintadas, jovens de classe média, bem alimentados e corados. os protestos não vieram da periferia que, aliás, protesta de outras formas, nos bailes de funk na rua, nos desafios de hip hop, com o som ensurdecedor dos carros tunados ou destruindo trens que não andam.

reclama-se do avanço da direita, da organização de grupos que seguem uma pauta mais conservadora e socialmente menos abrangente. hora de se discutir o porquê do surgimento desses grupos e parar com adjetivos para desclassificá-los.
estão fazendo isso à luz do dia, muito melhor do que nas sombras dos quartéis.
o próprio lulismo começou se organizando nas greves do abc e afunda a partir do momento em que aceita "as regras do jogo" dos políticos convencionais.
já falamos que o futebol era o ópio do povo e que a tv distraia e anestesiava as pessoas. hoje a mídia golpista faz parte do discurso das teorias da conspiração.
não vou às manifestações no domingo mas defendo quem queira ir.
vivemos tempos tenebrosos mas incríveis e prefiro mil vezes que o cidadão debata seus pontos de vista, batuque panelas e se organize do que ficar na frente da tv querendo saber quem matou murilo em babilônia.

 

 

 

 

 

 

 

 

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Sobre o autor

Orlando Pedroso é artista gráfico e ilustrador, trabalhou com praticamente todas as publicações da grande imprensa. Foi colaborador da Folha de S. Paulo de 1985 a 2011. Ilustrou mais de 60 livros infanto-juvenis e é co-autor de “Livro dos Segundos Socorros” e “Não Vou Dormir” – finalista do prêmio Jabuti de 2007 nas categorias “ilustração” e “melhor livro”. Foi vencedor do Prêmio HQ Mix de melhor ilustrador nos anos de 2001, 2005 e 2006. Expôs nas mostras individuais como “Como o Diabo Gosta”(1997) , “Olha o Passarinho!”(2001), “Uns Desenhos” e “Ôtros Desenhos” (2007). Em 2008, faz uma exposição retrospectiva de 30 anos de trabalho como artista convidado do 35º Salão de Humor de Piracicaba.- É autor dos livros Moças Finas, Árvres e do infantil Vida Simples, e membro do conselho da SIB – Sociedade dos Ilustradores do Brasil.

Sobre o blog

Este blog trata de artes gráficas, ilustração, cartum, quadrinhos e assuntos aleatórios.

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