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orlando pedroso lança filosofias em sp e solta o verbo no próprio blog

Orlando

02/12/2014 21h28

em novembro de 2003 abri uma página no fotolog. ali passei a postar trabalhos pessoais, feitos à mão em grandes formatos e que nunca haviam sido publicados.
em maio de 2006 resolvi fazer do espaço um tipo de diário onde eu pudesse expressar sentimentos e pontos de vista que poderiam partir de experiências pessoais, de histórias ouvidas ou histórias criadas por livre associação.
em um momento, muitos desses micro-contos passaram a ter vida própria e eram criados a partir de fragmentos de conversas, de palavras soltas, de sensações emprestadas.
nesses 8 anos produzi mais de 730 frases. 190 delas estão no livro filosofias baratas me são as mais caras editado pela editora global e lançado hoje, em são paulo, com preço especial.
o prefácio é do frasista gaucho fraga e o projeto gráfico do carioca marcelo martinez.
para não queimar o meu filme e me auto entrevistar, pedi para algumas pessoas que acompanham meu flog e meu trabalho há anos fazerem algumas perguntas. vamos lá:

Marcelo Martinez – Como era sua rotina na criação dos desenhos? Sei que vc costumava fazer no início do dia, como um "esquenta" antes dos outros trabalhos, mas… existia alguma regra mínima? Só um por dia ou podia fazer mais? Havia algum tempo-limite auto-impingido?
orlando – eu chegava muito cedo ao estúdio e havia criado uma página no fotolog, onde postava trabalhos inéditos que vinha produzindo paralelamente ao profissional.
eram desenhos grandes que eu fotografava e postava sem muito critério.
como adoro me dar obrigações, decidi que faria um desenho por dia para o fotolog e as frases começaram quase que por acidente.
eu abria um bloco, olhava o papel, ele pra mim e saia algo. desenhava, pintava, fixava, escaneava e postava no flog. isso durava uma hora e pouco, provavelmente. aí o dia começava. fiz isso religiosamente por meses. uma frase por dia.
aí é aquele momento em que a criatura domina o criador e as frases brotavam do nada, no sono, no banho, na espera do dentista.
o rigor e a disciplina do início deram lugar a algo, digamos, mais inspirado.

Fabio Moon – Você é um artista de diversas técnicas, do lápis às canetas nanquim, das tintas ao photoshop. Quanto da escolha do material para cada trabalho é consciente, e quanto é por acaso, pela proximidade da mão no momento da criação?
orlando – eu gosto de experimentar, de sujar a mão e a descoberta de possibilidades é um exercício fascinante. há mistérios, como a aquarela, por exemplo. tenho dificuldade, tenho medo.
mas uso as tintas de forma não acadêmica, adapto ao meu jeito e às minhas limitações.
O que me interessa é desenvolver o que eu chamo de "inteligência gráfica" que é o que permite seu trabalho ser identificável independente do material que se use.

Fabio Moon – No caso em questão, como você chegou na escolha dos matérias usados no livro: frases em "giz?" preto, desenhos em tonalidades quentes (mesmo quando temperados com alguns verdes e azuis) e essa cara forte do "feito à mão"?
orlando – desde sempre eu gostei do gestual, da marca do pincel no papel. eu havia descoberto o lápis sangüine. vi o argentino crist trabalhando com ele e fiquei apaixonado. aí fiz uma miscelânea: lápis carvão preto, sangüine e lápis caran d'ache aquarelável.
fui descobrindo o que e como fazer durante o processo.
a tipologia, por exemplo, foi mudando dia-a-dia e ficou mais solta e agressiva.

Xandolino – Como foi o processo de ilustrar as frases? Você juntava um punhado delas para ilustrar depois ou a concepção visual já vinha na sequência do texto?
orlando – eu considero o "filosofias" um livro de texto, literatura. os desenhos não tem importância nenhuma a não ser em alguns poucos casos em que estão entrelaçados para a compreensão, como no caso dos enforcados ou do seu pinto.
a princípio eu fazia as frases na hora. depois elas começaram a se acumular nos caderninhos e eu as ia finalizando conforme o tempo e disposição. passada a fissura, mantive uma freqüência mas sem me estressar.

Spacca – "Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar" definem você e a sua arte?
orlando – mais ou menos.
é verdade que dou muita chance para o acaso, pros bons e maus ventos mas gosto de ter o controle. justamente o legal de nosso trabalho é vc ter um certo rigor, disciplina e ainda dar chance para o improviso e o erro.
eu, aliás, acho que as grandes descobertas acontecem exatamente aí.

 

Spacca – Num poema desenhado, ou num desenho poemado, quem ilustra quem?
orlando – nesse caso específico, faço questão de diminuir a ilustração a uma quase insignificância.
no filosofias o texto sempre veio antes. ele que reina.
o desenho é, nesse caso, aquilo que nós profissionais detestamos: um tapa buraco, um enfeite.
apesar de achar que tem alguns desenhos bacanas, confesso que tive esse desejo sádico de fazê-los enfeites.
me perdoe.

Xandolino – As frases sempre lhe vieram prontas, como aparecem no livro, ou havia um processo de 'lapidação' até chegar na estrutura ideal? O mesmo aconteceu com as ilustrações?
orlando – algumas vêm prontas, como se alguém soprasse no ouvido. outras vem em fragmentos. anoto e retomo. em alguns caso dá certo mas em outros boto pra dormir mais um pouco. muitas vezes por meses. há os casos daquela que vc acha pronta, lê no dia seguinte e pensa: que merda é essa? o que eu queria dizer?

Fabio Moon – Quem é mais importante no livro: a palavra ou a imagem? Quem carrega quem? Ou quem carregou, lá no início, quando essa brincadeira começou?
orlando – o mais importante é o conjunto, a combinação inédita de frase e desenho mas o texto sempre vem antes. ele é o que carrega a idéia, a rima, a sacada.
sempre fui fã de frases. adorava o leon eliachar que publicava na revista manchete lá no início dos anos 70, millôr, stanislaw ponte preta, barão de itararé e, mais tarde, dalton trevisan.
lá pelas bandas de 2006 eu estava lendo e relendo suas micro histórias. ele é capaz de contar uma com começo, meio e fim em duas ou três linhas.

Ricardo Antunes – O Orlando é um ilustrador que gosta de poesia e texto ou um poeta que gosta de ilustrar?
orlando – o orlando é salada mista. não é um poeta. isso seria pretensão.
gosto de desenhar, gosto de brincar com palavras, gosto de fotografia e artes gráficas.
se existe uma mágica, é a de juntar tudo isso e dizer: sou eu!

Xandolino –  Ao longo dos anos, enquanto concebia as 'filosofias baratas', quais outros autores você conheceu que lhe inspiraram ou que até tinham um estilo semelhante mas você não conhecia?
orlando – sempre volto aos que citei acima.
os relançamentos dos livros do millôr recentemente e a coletânea do leminsky foram gratas surpresas.
e sempre tem os queridos luis solda, de curitiba e o fraga, de porto alegre (que aliás fez o prefácio do livro), que são mestres do frasismo.
o seu trabalho mesmo, xandolino, conheci por essa afinidade e gostei muito.

Marcelo Martinez – A série das "Árvres" pintou no meio da produção do "Filosofias", não? Vc pretende continuar com as filosofias, abrindo espaço para eventuais outras séries no meio, ou o vasto material produzido (que acredito que já daria um segundo volume) já satisfaz sua sede filosofal?
orlando – eu faço várias coisas ao mesmo tempo e isso não é um grande problema para mim. o importante é eu estar "embalado". Um desenho pede outro e quando vc vai ver, tem uma centena deles.
continuo fazendo frases e, acredite, postando no mesmo fotolog de sempre.
pra quem não sabia onde isso iria dar, já tenho um bom número, não?

Rubens Menezes –  Está no título que essas filosofias lhe são as mais caras, e apenas dias atrás você lançou "Com a palavra, O Ilustrador" em parceria com a Ale Kalko e o Negreiros, pela Mandacaru, além disso de longa data você mantém um blog no UOL com mais opiniões escritas do que ilustrações. Nós estamos vendo o começo de uma nova fase para o Orlando Ilustrador, um Orlando Escritor? E vem mais por aí?
orlando – por um motivo ou outro, sempre escrevi. não com método, não com intenções literárias mas sempre escrevi.
aí volto à história das limitações. não consigo me ver escrevendo um romance, por exemplo. sou muito imediatista e acho difícil que tenha fôlego para escrever algo além de pequenos contos.
ao mesmo tempo, o projeto da mandacaru e o blog me fazem refletir, puxar pela memória (que, cá entre nós, não é das melhores) e juntar peças. às vezes dá certo. :>)

Rubens Menezes – Já faz um tempo que te vemos variar e experimenta novos suportes, indo de papel kraft em formato grande até o iPad. Qual é o seu suporte predileto? Onde você se sente "jogando em casa" quando está desenhando?
orlando – pois é, a gente se sente confortável em alguns formatos e isso pode ser um perigo. é ótimo quando vc precisa apagar um incêndio e resolver um desenho para um jornal ou revista mas se arriscar é fundamental.
a cobertura da flip foi um desses desafios. eu tinha um ipad fazia mais de ano mas nunca tinha feito nada nele que não rabiscar uma coisinha ou outra.
aprendi a lidar com o programa um pouco mais de uma semana antes do evento e a adrenalina de vc ter que resolver ideia, desenho, técnica, envio, etc, é indescritível.
no trabalho, definitivamente, eu gosto de estar na zona de guerra.

Fraga – Ilustração, cartum, foto, frase, oficinas. Nessa altura do seu baita portfólio, o que ainda falta experimentar?
orlando – nossa, tanta coisa… uma relação homoafetiva, por exemplo… :>)
mas, veja, estou chegando naquela curva de idade em que vc tem a clara sensação de que não vai dar tempo de tudo. nem de produzir tudo, de viajar muito, de falar outras línguas, de conhecer mais gente, de não ter que pensar em grana, de ler mais livros, visitar mais museus e galerias.
meio pessimista, mas real. eu, aliás, me considero um otimista cético.

Fraga – Há cada vez mais desenhistas e menos mercado. Se fosse convidado pra ministro da economia/cultura/ trabalho, que agitos tentaria na área?
orlando – cada vez fica mais claro que as coisas só acontecem com dinheiro. num país com economia forte tem para todo mundo. o dinheiro, evidentemente, não traz criatividade mas atrai e banca criativos.
vc vai dizer que na miséria também tem gênios e eu vou concordar. várias das artes brasileiras vêm dos morros, do agreste e de outras áreas menos favorecidas.
viver dessa arte é que é o nó.
a grana permite que a arte seja produzida e consumida.

 

Ricardo Antunes – O tema mais recorrente em suas frases ilustradas são as relações afetivas, em especial o quanto é complicado amar. O amor e a paixão vão continuar sendo sempre uma boa fonte de inspiração para a ilustração/poesia/música?
orlando – sim, sempre serão. e é incrível como a gente precisa falar sobre isso.
mergulhando no processo, vc começa a se interessar por tudo quanto é assunto e a ser um observador mais atento a detalhes. um olhar, um adjetivo, uma lembrança, amor, sexo, traição, afetividade, carinho. uma pitada de piada ou uma rima improvável e o caldo está feito.

Ricardo Antunes – É frequente encontrar ótimos ilustradores que também escrevem bem, provavelmente por lerem muito e pela pesquisa constante. Qual a importância do texto para você como ilustrador?
orlando – ilustrador é um bicho estranho. se esconde, tem dificuldades em demonstrar afeto, de manter um círculo de amizades. talvez a maioria de nós se esconda atrás de textos alheios e se sinta protegido aí.
as listas na internet mostraram que muitos de nós escrevem, conseguem colocar uma ideia em pé e defendê-las.
isso é muito bom e pode ser um começo.
muitos já se arriscam a produzir suas próprias histórias para livros infantis, por exemplo.
saber ler é outro ponto fundamental para a profissão. sem saber ler e interpretar um texto, o desenhista pode desistir de ser um ilustrador.

Cecília Laszkiewicz – Lavou a alma?
orlando – cada trabalho legal é uma forma de lavar a alma. o filosofias ficou guardado muito tempo esperando ser publicado e isso aconteceu na hora certa. ficou lindo, como eu queria.
o formato, as cores, o quanto as pessoas se identificam com os textos fazem dele algo muito especial.

Cecília Laszkiewicz – A frase que faria pra essa matéria é :  
orlando:
disse
tudo,
disse
como
queria.
enquanto
ele
chorava
o
povo
dançava
e
ria.

 

vendas pela internet a partir de quinta-feira, dia 4.

 

 

 

 

 

 

 

 

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Sobre o autor

Orlando Pedroso é artista gráfico e ilustrador, trabalhou com praticamente todas as publicações da grande imprensa. Foi colaborador da Folha de S. Paulo de 1985 a 2011. Ilustrou mais de 60 livros infanto-juvenis e é co-autor de “Livro dos Segundos Socorros” e “Não Vou Dormir” – finalista do prêmio Jabuti de 2007 nas categorias “ilustração” e “melhor livro”. Foi vencedor do Prêmio HQ Mix de melhor ilustrador nos anos de 2001, 2005 e 2006. Expôs nas mostras individuais como “Como o Diabo Gosta”(1997) , “Olha o Passarinho!”(2001), “Uns Desenhos” e “Ôtros Desenhos” (2007). Em 2008, faz uma exposição retrospectiva de 30 anos de trabalho como artista convidado do 35º Salão de Humor de Piracicaba.- É autor dos livros Moças Finas, Árvres e do infantil Vida Simples, e membro do conselho da SIB – Sociedade dos Ilustradores do Brasil.

Sobre o blog

Este blog trata de artes gráficas, ilustração, cartum, quadrinhos e assuntos aleatórios.

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