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os vândalos também precisam ser ouvidos

Orlando

26/06/2013 10h50

sábado, 20h50 e a janela do quinto andar de um prédio na avenida paulista, perto da brigadeiro mais parecia um camarote de carnaval.
na passarela, centenas de manifestantes protestando contra a pec 37.
percussão, ambulantes vendendo cerveja, dois ou três pipoqueiros, skatistas, patinadores, a polícia só monitorando e palavras de ordem.
agora o "vem, vem, vem pra rua contra o aumento" virou "vem, vem, vem pra rua contra o governo". assim mesmo, generalista, contra o governo todo para desespero daqueles que esperam uma pauta mais definida.

acontece que a pauta, desencadeada pelos R$0,20 da tarifa do transporte, acabou se tornando mesmo a insatisfação geral.
se a vida está dura, se a violência aumenta, se se trabalha demais, se ficamos espremidos no transporte e a fifa está levando uma bolada, os únicos culpados são o governo e seus satélites.
então, a pauta está certa.
não escutei ninguém, até agora, gritando "fora, dilma". por algum motivo ela ainda sustenta uma certa simpatia do cidadão mas isso não é suficiente.
todos os escalões dos governos estão em polvorosa e, de repente, todos passaram a escutar o clamor das ruas, ficaram bonzinhos, estão até pensando em cancelar as férias!
não é fofo isso?

meses atrás a pec 37 teria sido aprovada sem dó e quem quisesse que fosse reclamar com o bispo.
ontem todos quiseram sair bem na foto.

hoje, 7h30 da matina em perdizes, são paulo, um motoqueiro com mochila nas costas gritava com um motorista que havia feito alguma barbeiragem.
"vc não pode errar!", urrava o ser de duas rodas, "vc não pode errar!".
vindo de um motoqueiro, pode até soar esquisito mas o tom de indignação dele era feroz.
pai de dois filhos, ele poderia ter se estatelado na pista molhada e ido desta para a melhor.
parece que continuamos achando que o inferno são os outros e, conseqüentemente, a culpa também.

mas, o que eu queria dizer mesmo é que o clamor por mudanças vêm de vários lados e, como já disse antes, as demandas são gigantescas.
a imprensa procura sempre deixar claro (depois daquela fatídica quinta-feira) que as manifestações são pacíficas e que uma minoria isolada se aproveita para vandalizar.
ora, em todas as manifestações essas minorias apareceram para saquear, depredar, mostrar sua raiva. então, não são tão minoria assim.
talvez boa parte desses garotos e homens que se aproveitam para quebrar tudo também estejam querendo se expressar e dizer que não estão confortáveis sendo excluídos da sociedade, que não tiveram oportunidade de estudar, que o país não lhes dá a mínima condição de cidadania.
lembrar que roubos, assaltos e todo tipo de violência acontecem todos os santos dias, especiamente nas grandes cidades.
por que não aconteceriam nos dias de manifesto?
o sujeito quebra, vandaliza o prédio público, estilhaça vitrines, saqueia.
ninguém vai defender isso mas essa pode ser a forma do cristão dizer que "se vc não olha pra mim, veja o que eu faço e eu faço assim porque o que vc faz por mim também não é legal.

há uma petição com um milhão e seiscentas mil assinaturas pedindo a saída de um renan calheiros que ontem vem passar uma lição de casa cheia de "medidas". R$3.125 pra fazer a maquiagem e cabelo da presidente? 40 ministérios, cura gay, transposição do s. francisco, ferrovias, belo monte, instituto lula, perdão de dívidas de países governados por ditadores.
é, não tá legal.

o brasileiro sempre foi pacífico e acomodado mas dentro dele existe um monstrinho.
cabe ao governo, que sempre se esmerou em alimentar esse ser deformado dentro de nós, escutar a garotada e inventar um novo brasil.
mais justo e generoso.

as medidas propostas até agora são tímidas, de longo prazo e podem ser facilmente esquecidas mas, nessa hora o motoqueiro pode estar certo: "vc não pode errar!"

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Sobre o autor

Orlando Pedroso é artista gráfico e ilustrador, trabalhou com praticamente todas as publicações da grande imprensa. Foi colaborador da Folha de S. Paulo de 1985 a 2011. Ilustrou mais de 60 livros infanto-juvenis e é co-autor de “Livro dos Segundos Socorros” e “Não Vou Dormir” – finalista do prêmio Jabuti de 2007 nas categorias “ilustração” e “melhor livro”. Foi vencedor do Prêmio HQ Mix de melhor ilustrador nos anos de 2001, 2005 e 2006. Expôs nas mostras individuais como “Como o Diabo Gosta”(1997) , “Olha o Passarinho!”(2001), “Uns Desenhos” e “Ôtros Desenhos” (2007). Em 2008, faz uma exposição retrospectiva de 30 anos de trabalho como artista convidado do 35º Salão de Humor de Piracicaba.- É autor dos livros Moças Finas, Árvres e do infantil Vida Simples, e membro do conselho da SIB – Sociedade dos Ilustradores do Brasil.

Sobre o blog

Este blog trata de artes gráficas, ilustração, cartum, quadrinhos e assuntos aleatórios.

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