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radaelli abre exposição e mostra que artista pode ter dupla vida

Orlando

24/07/2017 14h49

fotos: orlando pedroso

 

conheci gelson radaelli em algum ponto no início dos anos 2000 levado a seu restaurante pelos amigos fabio zimbres e hugo rodrigues, diretor do museu do trabalho de porto alegre.
o restaurante, atelier de massas, é parceiro do museu e ponto de parada obrigatório para quem gosta de boa comida, bons vinhos, bom papo e artes.
além de bom anfitrião, radaelli é um baita pintor e desenhista e este post tem sua exposição "neon" como desculpa para falar de uma pessoa que, apesar de ter como profissão a comida, não deixa de ter a arte como ofício.
conhecemos dezenas de pessoas que postergam suas habilidades por conta de um emprego, de um trabalho ou de uma atividade remunerada como se isso fosse um eterno empecilho para escrever, desenhar, pintar ou atuar.
não é.
projetos de gaveta podem se eternizar num sono profundo se acreditarmos que não temos tempo para nada além de bater cartão.
radaelli nasceu em nova bréscia, interior do rio grande do sul e desenha desde muito cedo incentivado pelo pai e por um padrinho que lhe deu as primeiras tintas e pincéis.
com o restaurante, criou um mecenas para chamar de seu e montou um atelier a poucas quadras do trabalho.
lá, entre tintas, papéis, telas, vinhos, máscaras africanas e amigos, passa boa parte do tempo com a mão na massa antes de voltar a por a mão nas massas.
abaixo, entrevista com o artista:

 

blogdoorlando – no que os trabalhos da exposição neon diferem de suas exposições anteriores?
Radaelli – As pinturas dessa mostra possuem uma grande unidade. São painéis com um fundo rosa irregular que sustenta pinceladas largas e rápidas, mesclando tons, que fazem surgir várias gamas de cinza. O rosa interage, criando uma sensação ora de tranquilidade ora de desconforto. O meu trabalho sempre teve essa intenção, de perturbar mas também proporcionar deleite estético. Nesse momento acredito que a pintura que eu faço atingiu maturidade. Me parece que, depois de quase 50 anos pintando, é a primeira vez que tenho a impressão que pinto com quase plena certeza. Esse último lote de telas se parecem muito comigo, com os meus pensamentos, com os meus sentimentos, como o meu olhar pousa sobre as coisas estanques ou fugazes do mundo. Para quem vê a pintura, pretendo que ela  seja uma espécie de janela, por onde se pode enxergar o mundo e o mesmo de si, não que veja o pintor que as fez. Acredito que a arte, quando verdadeira, é uma plataforma para começar a mudar pequenas coisas e que, ao longo do tempo e da vida, possa se tornar um dos elementos para grandes transformações.

 

 

blogdoorlando – vc é um artista compulsivo. desenha, risca e pinta freneticamente. como é isso?
Radaelli –
Desde que me lembro, muito pequeno, sempre desenhei. Nas noites da minha infância, sentado no colo do meu pai junto à grande mesa de madeira da cozinha com muitos lápis de cor, criávamos paisagens cheias de encantos, casinhas com chaminés, florestas e animais estranhos.  Meu pai adorava arte e a natureza. Além de se dedicar às flores, folhagens, a plantar arvores e cultivar fruteiras, ele desenhava e possuía nas paredes de casa reproduções de Renoir, Cézanne, Van Gogh (Noite Estrelada), Toulouse-Lautrec, Manet e várias outras imagens de neo-expressionistas alemães. Com menos de sete anos eu tinha, lá no interior, em uma cidade minúscula, tinta óleo, várias telas, pincéis e livros de arte. Comecei a pintar com essa idade e nunca mais parei. Hoje, desenhar e pintar é algo que faz parte do meu cotidiano como qualquer outra atividade, como dormir, comer e tomar banho.

 


blogdoorlando– vc, aliás, vive uma vida dupla. como vc divide o tempo e a dedicação para pintar, cuidar do restaurante e do negócio de vinhos?
Radaelli –
Quando tive que decidir o que iria fazer para ganhar dinheiro, tive clara a noção que não seria com a pintura. Não queria criar um ciclo vicioso para a minha arte. Se por acaso o meu trabalho começasse a vender, eu cairia na armadilha de reproduzir aquilo pelo resto da vida. Então estudei e comecei a trabalhar com propaganda, mas logo vi que aquela não era a minha praia. Como eu cozinhava de maneira autoral – a minha namorada adorava o que eu fazia  – e eu era apaixonado por espaguete (acho o prato mais inteligente do mundo: com um pouco de bom óleo e um alho se faz um prato para servir um rei) resolvi abri um restaurante de massas com a intenção de cuidar dele durante uns dois ou três anos e juntar dinheiro para morar na Europa, onde me dedicaria a pintura."Infelizmente"o restaurante deu mais certo que o esperado. Acabei não indo embora mas conquistei um mecenas muito generoso que patrocina tudo e não interfere no meu trabalho. Estou sempre fazendo algo. Não consigo relaxar e curtir o que chamam de "il dolce far niente". Se estou fazendo uma coisa que me dá prazer, ao mesmo tempo estou juntando informações para usar em algo noutro momento.

 

blogdoorlando – esse é um dos pontos que me chama muito a atenção. a maior parte das pessoas posterga seus projetos artísticos por conta do "trabalho". tem muita gente com projetos engavetados eternamente.
Radaelli –
 Apesar dessa dinâmica em que eu vivo, que faço aparecer resultados em forma de objetos e idéias, tenho muitos projetos engavetados. Mas não suportaria ter todos eles lá presos no escuro, no esquecimento. A nossa passagem pelo mundo é muito curta, deixar os nossos sonhos em segundo plano é quase morrer em vida. É necessário deixar a novela e o facebook um pouco de lado e topar os desafios.

 


blogdoorlando – o atelier de massas é um ponto de encontro de artistas e intelectuais. fale um pouco dele.
Radaelli –
Quando abri o restaurante pensei: "quero criar um lugar onde eu me sinta muito bem em estar ali, já que vou ter que passar a maior parte do tempo". Coloquei na parede arte de qualidade (minha e de conhecidos) e objetos que me emocionam, incorporei vinhos das melhores procedências,  escolhi músicas super boas,  trouxe destilados inebriantes (ops!) e criei as receitas que eu próprio adoraria comer todos os dias. Os pratos são de massas artesanais, frescas e os molhos elaborados como se fossem feitos em casa Usamos produtos de primeira e tudo é feito na hora. O público percebeu isso e hoje a casa vive com muito movimento. O único problema é que eu fico sem um lugar para sentar e comer e beber tranquilo.
No início o meu atelier para fazer a pintura era no segundo andar do local. É por isso que o nome do restaurante é Atelier. Mas criar é um ato solitário e não deu certo com o espaço alí. Era o cobrador, o vendedor de vinhos, o entregador de hortaliças, um ou outro cliente que vinham ao estúdio e queriam dar uma olhada naquilo que eu estava fazendo. Sai e criei uma galeria de arte nesse ambiente. Com o passar do tempo as mesas do restaurante começaram a invadir o espaço de exposições. Hoje está tudo misturado. É um restaurante que serve pratos bem elaborados e expõe arte contemporânea. Eu tenho um certo relacionamento e afinidade com os artistas da cidade e o ambiente possui esse aspecto "cult";. Talvez esses sejam os motivos que tragam essa significativa quantidade de intelectuais e pessoas que criam arte para cá, além da boa comida. O restaurante é quase um ponto de turismo cultural em Porto Alegre. Todos que vem a cidade e que se interessam por cultura, vêm ao Atelier de Massas.

 

blogdoorlando – e o restaurante é todo correto enquanto seu estúdio é uma zona imensa…
Radaelli –
No restaurante tenho uma infinidade de colaboradores, cuja função é deixar o espaço o mais agradável possível aos olhos e à alma de quem vem. Já o meu atelier é um lugar de criação e só eu estou ali, só eu tenho a chave dessa fortaleza. Então entre criar, fazer aparecer algo, limpar e arrumar, acabo sempre optando pela primeira. Além do mais, a bagunça e a poeira não me incomodam. Uma vez por ano organizo alguma coisa e limpo outras.

 

foto: divulgação

 

blogdoorlando – voltando ao seu trabalho, como vc vê o cenário artístico gaúcho? o rio grande do sul é um celeiro de talento seja na pintura, na literatura, no cartum…
Radaelli –
No Rio Grande do Sul há inúmeros artistas verdadeiramente bons que poderiam estar nos melhores museus e galerias do mundo. Aliás, em todas as áreas da produção artística a criação é grande e de qualidade. Mas falta a ponte que liga o atelier às grandes mostras, ao mercado e aos olhos sedentos por novidades e criatividade. Não existem aqui agentes nem mecenato, não existem revistas de arte, não existem instituições que incentivem com dinheiro ou serviço, não existem salões e prêmios, nem espaço em jornais e TV. São poucos espaços para exposições. Eu estou morando na cidade há quase quarenta anos e vejo as possibilidades para os artistas sempre diminuírem mais.

 

foto: divulgação

 

 

Neon

pinturas recentes de Radaelli

curadoria: Icleia Borsa Cattani

abertura: 25.07.2017

de 26 de julho a 10 de setembro

terças a domingos, das 10h às 19h

Museu do Rio Grande do Sul Ado Malagoli

Rua 7 de Setembro, 90010-191 Porto Alegre, Rio Grande do Sul

(51) 3227-2311

museu@margs.rs.gov.br

 

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Sobre o autor

Orlando Pedroso é artista gráfico e ilustrador, trabalhou com praticamente todas as publicações da grande imprensa. Foi colaborador da Folha de S. Paulo de 1985 a 2011. Ilustrou mais de 60 livros infanto-juvenis e é co-autor de “Livro dos Segundos Socorros” e “Não Vou Dormir” – finalista do prêmio Jabuti de 2007 nas categorias “ilustração” e “melhor livro”. Foi vencedor do Prêmio HQ Mix de melhor ilustrador nos anos de 2001, 2005 e 2006. Expôs nas mostras individuais como “Como o Diabo Gosta”(1997) , “Olha o Passarinho!”(2001), “Uns Desenhos” e “Ôtros Desenhos” (2007). Em 2008, faz uma exposição retrospectiva de 30 anos de trabalho como artista convidado do 35º Salão de Humor de Piracicaba.- É autor dos livros Moças Finas, Árvres e do infantil Vida Simples, e membro do conselho da SIB – Sociedade dos Ilustradores do Brasil.

Sobre o blog

Este blog trata de artes gráficas, ilustração, cartum, quadrinhos e assuntos aleatórios.

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