quadrão no lugar das quadrinhas traz cheiro de fanzine ao caderno ilustrada
a bomba da semana veio, através da ilustrada, caderno de cultura da folha de s. paulo, que reformulou sua página de quadrinhos de segunda-feira.
saem os desenhos feitos por cartunistas "do sexo feminino" para darem lugar a um "quadrão" produzido por um convidado.
os "convidados" podem enviar seus trabalhos para avaliação para quadrao@grupofolha.com.br no formato 19×15 cm.
o primeiro foi luciano salles, de araraquara.
a imprensa está sendo obrigada a dar seus pulinhos para se re-inventar e nessa arte a folha tem lá seus méritos. inovou na diagramação, no enfoque de determinados assuntos, na edição das fotos, no convite a colunistas multi-facetados.
desde seu polêmico projeto no início dos anos 80, conseguiu ampliar seu público e sua relevância. note-se que esse público é formado, também, por quem a odeia.
num desses lampejos, a ilustrada que tem como um de seus carros-chefes a sessão de quadrinhos, resolveu dar espaço a um time de cartunistas mulheres lá por meados de 2013.
sempre é bom que novos espaços sejam conquistados mas esse negócio de segregar mulheres num canto especial acaba sempre por cheirar meio mal.
como diz um amigo, se vc precisa de um dia comemorativo é porque as coisas não vão bem.
depois, jornal é uma experiência diária. publicar uma vez por semana ou uma vez a cada 15 dias não cria comprometimento do cartunista com o jornal nem com o leitor. e o jornal e o leitor também não se sentem cúmplices dele. o mesmo acontece com a ilustração que trabalha com o material quente do dia.
colunistas, em geral, passam a semana remoendo qual vai ser o assunto que vão abordar e como. é diferente.
no caso dos quadrinistas e chargistas, a liga é dada pelo convívio diário e pela possibilidade de experimentações, de construção de personagens, etc.
portanto, a meu ver, as meninas tinham esses dois problemas para contornar: estarem sozinhas num canto e publicando pouco.
olhando por outro viés, é importante que cartunistas mulheres conquistem espaços e sejam inseridas num mercado ainda predominantemente masculino.
essa conquista já aconteceu na literatura infantil, por exemplo, onde mulheres vêm se despontando e produzindo verdadeiras joias visuais já faz muito tempo.
a imprensa é um órgão mutante e é bom que seja assim. o que devemos considerar é qual tipo de opção fazer para que a roda não crie limo.
no caso das meninas, mesmo com altos e baixos, o espaço era importante porque algumas delas poderiam passar a colaborar na edição diária, seja na sessão de quadrinhos ou de charges.
mas não. o que se faz é dispensá-las por telefone (sim, a folha não usa mais telegramas) e colocar no lugar… tcham-tcham-tchaaaaam!… sim, um espaço para novatos!
a folha adora novatos! e aqui não tem nenhuma ironia.
ela sempre deu chances para o sanguinho novo e aparecerão trabalhos ótimos, com certeza.
mas, veja bem, houve um tempo em que se um sujeito publicasse uma vinheta em suas páginas, poderia colocar isso em seu portifolio tranquilamente. todo mundo via seu desenho lá e isso contava.
hoje o artista pode fazer um desenho de página inteira que o silêncio continuará imperando e isso é péssimo para o jornal e para aqueles, que como eu, adoram e acompanham a imprensa diária.
a ilustrada dá espaço para uma garotada que já aprendeu a se divulgar por si própria. todos têm um site, um blog, participam de coletivos, se auto-publicam. não dependem mais da imprensa, muito menos da grande imprensa que os publicará esporadicamente.
é importante publicar, aparecer, se divulgar, ter seu desenho estampado num jornal? não vou ser eu que vou dizer que não mas num momento dramático para o jornal, se comportar como um fanzine dos anos 70 não parece ser a saída mais adequada para sua crise, nem para fortalecer seus colaboradores, nem para alavancar novos talentos.
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