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montalvo machado traz trabalhos pessoais e oficinas na exposição hiperfoco

Orlando

08/10/2014 08h12

montalvo machado, paulistano da mooca, nascido em 1966, é um dos principais interlocutores quando se fala de ilustração no brasil.
pode-se concordar ou não com muitas de suas opiniões mas o que ninguém pode discordar é da importância de seus posicionamentos quanto ao mercado e postura dos profissionais.
ilustrador de longa carreira, colabora com estúdios, agências e publicações desde 1983.
entre 1990 e 1991 estudou desenho de embalagem na – sea – school of visual art e técnicas de ilustração e na fit – fashion institute of technology, ambas em nova iorque, e entre 1997 e 1998, estudou na illustration academy – william jewell college, em liberty, missouri.

montalvo não tem problemas em cruzar a ponte entre o analógico e o digital e é isso pode ser visto na mostra que hiperfoco que abriu no último dia 25, na galeria ornitorrinco, em são paulo.
os cerca de 30 trabalhos trazem pinturas em tela, aquarelas, pastéis e suportes não-convencionais como madeira e ladrilho hidráulico. além disso, há uma programação com conversas e oficinas com datas disponíveis no site da galeria: http://www.galeriaornitorrinco.com/

abaixo, entrevista com o artista:

blogdoorlando – vc optou por fazer uma exposição temática, quase voltada para a arquitetura. por que?
Montalvo – Durante muitos anos como ilustrador eu atendi a clientes, com jobs muito fechados tanto nos temas como nas técnicas, e deixei para fazer esta busca pelo meu próprio estilo muito tarde na minha carreira. E chega um momento em que todo artista quer atender ao próprio chamado, ser seu próprio cliente. Neste sentido eu custei a entender qual era o meu tema, e no meio de tantos caminhos, qual era o que eu realmente estava procurando. Eu encontrei esta linha temática há uns 10 anos, quando era sócio do Cárcamo e do Zuri na Mangue Galeria em Paraty, enquanto buscava referências para pintar novos trabalhos entre as minhas fotos de viagem. Tudo já estava lá, fotografado e pensado, e partindo destas referências eu encontrei o meu estilo pessoal.

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blogdoorlando – os quadros são recortes de imagens, detalhes…
Montalvo – Então, eu gosto de brincar no limiar entre o figurativo e o abstrato, sem cair no hiper-realismo ou na desconstrução total. Na verdade eu gosto mesmo é das cores, das relações tonais, da composição, equilíbrio, formas, planos… e tem tudo isto nos recortes das fotos que eu tiro, pensando exatamente em exagerar e tirar o máximo destes fundamentos. Eu não procuro repintar a foto como ela é, mas usar a imagem original como ponto de partida para estudos cromáticos, caminhando até a beira do abstrato, mas sem perder o contato com o objeto ou o lugar em si.

blogdoorlando – quais as técnicas e formatos? em qual vc se sente mais à vontade?
Montalvo – Eu adoro a experimentação, gosto de misturar técnicas, combinar materiais diferentes, e sempre há muito por explorar e descobrir no caminho. A cada quadro eu aprendo mais sobre técnicas e cores, e quando trabalho no digital eu procuro usar tudo isto para que o resultado fique natural, como se fosse uma pintura em tela mesmo, ou papel. Talvez por isto as obras tenham esta "conversa" entre si, e o digital acabe se parecendo bastante com as pinturas feitas com tinta mesmo. Como sou ilustrador de formação, os formatos são pequenos e médios, mas estou me sentindo cada vez mais a vontade com áreas maiores, e acho que a tendência natural é produzir trabalhos em grandes formatos, o que deve acontecer em breve.

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blogdoorlando – onde o seu trabalho autoral se encontra com o profissional?
Montalvo – Eu acho que estou quebrando esta barreira agora, e o autoral me parece muito novo e tentador, mas o meu lado profissional sempre me traz para a realidade, e eu acabo me questionando muito sobre como isto vai se manter, como vou pagar as contas fazendo algo totalmente autoral. Por isto eu preciso manter os pés nas duas canoas, atendendo a clientes e explorando as possibilidades deste mercado novo que estou descobrindo agora, com esta exposição. Se der pé – e eu acho que vai dar – quero fazer a transição de uma vez e me dedicar totalmente à produção autoral.

blogdoorlando – o quanto vc acha importante ilustradores se dedicarem ao estudo e produção de materiais não encomendados?
Montalvo – Eu acho que existe um equilíbrio saudável entre os dois caminhos, principalmente no meio da carreira de um artista. O início é muito flexível, pode acontecer que a produção seja maior de um lado do que do outro, e é o momento do artista explorar as suas ferramentas, tentar tirar da cartola quantos coelhos puder, para poder achar seu nicho e sua clientela ideal. Aí começa a demanda, e o artista se torna escravo do que conquistou. Os clientes o chamarão para fazer mais do mesmo, e durante anos ele pode se cansar daquela fama que conquistou. Nesta hora ele deve se dedicar ao próprio instinto, e deve tentar se reinventar, em técnicas, temas, formatos, mídias, tudo. Assim ele vai se reciclar e descobrir novos caminhos, e quem sabe atender a novos mercados, e sempre com algo de novo, inédito, e surpreendente na mesa. O mais perigoso é o artista se tornar refém do tédio, amarrado em seu próprio estilo, ou da demanda que ele mesmo gerou, porque isto pode cansar não só a ele mesmo, mas como os seus consumidores.

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blogdoorlando – boa parte desse material foi produzido tendo como base anotações em sketchbooks. conte um pouco.
Montalvo – Os sketchbooks são o meu laboratório, meu quintal, o lugar onde eu me permito errar a vontade, sem medos ou cobranças. E é neste lugar mágico que a surpresa acontece, novos traços, novas combinações de técnicas, e coisas que eu mesmo não tinha como prever, acontecem o tempo todo. Os temas da exposição "Hiperfoco" tem como origem os sketchbooks, não apenas na técnica, mas como nas composições e na temática mesmo. Eu gosto de levar os cadernos em viagens, ou nos lugares mais comuns como filas e restaurantes, e sempre tem alguma coisa que fica mais legal desenhada do que apenas vista. Parece que o banal se torna especial quando é desenhado. Pode ser qualquer coisa, uma arandela, um telefone velho, uma sombra na parede, se virar desenho, parece que ganha uma aura meio mágica. E a partir destes estudos, eu posso continuar puxando informações, fazer uma tela grande e carregar nela a concentração de tudo o que era espontâneo e gestual de um desenho pequeno do sketchbook, só que com uma técnica mais refinada.

blogdoorlando – a partir de hoje, quarta, vc começa uma série de palestras e oficinas. do que vão tratar e o que vc espera de quem vai participar?
Montalvo – Eu sempre gostei muito da troca que acontece em workshops e palestras, eu adoro compartilhar minhas descobertas. É como se a informação me incomodasse, se ela não for passada adiante. As oficinas são a continuidade do que eu já fazia no meu outro estúdio, com alguns temas novos, outras técnicas, mas mantendo a mesma linha de raciocínio. Eu gosto muito de ver o resultado aplicado do que as pessoas aprendem comigo, me dá uma sensação de continuidade, de ter passado o bastão adiante, e não guardar tudo só para mim. As oficinas vão de anatomia até dicas sobre negociações com clientes, passando por aquarela e pastel, encadernação de sketchbooks, técnicas mistas, etc. Eu espero encontrar gente curiosa e entusiasmada como sempre aconteceu na edições anteriores, artistas e designers que procuram técnicas e dicas para usar já no dia seguinte, informações práticas, teorias aplicáveis no dia-a-dia.

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blogdoorlando – como vc vê o futuro da ilustração comercial no brasil?
Montalvo – Eu tenho um misto de entusiasmo e preocupação, e acho que a balança está pendendo cada vez mais para o segundo lado. Tem muita gente boa hoje em dia, produzindo coisas espetaculares, mas parece que comercialmente falando, estamos despencando em queda livre, a caminho do zero, em valores negociados. Parece que publicar é mais importante do que comer, e isto não faz o menor sentido, porque os nossos clientes não pensam assim, eles exigem resultados financeiros antes de qualquer satisfação pessoal. Não sei como chegamos a este ponto, e a situação não é auto-sustentável. Se continuar assim, nenhum artista vai chegar a fazer 10 anos de carreira, talvez não cheguem nem na metade disto, terão que procurar outra coisa para trabalhar e desenhar só por hobby, o que é preocupante demais para qualquer um que queira viver de arte.

Eu acho que estamos num momento de transição importante, a ilustração está amadurecendo, as publicações autorais estão cada vez melhores, e uma cultura de consumo está sendo implementada, sem intermediários, a arte é produzida, distribuída e vendida diretamente ao consumidor final. Esta mudança de paradigma está mudando o comportamento de todos, e se tudo der certo logo teremos um nível de exigência maior e um público mais preparado para absorver uma produção de maior qualidade.

Talvez neste momento a arte volte a ter o valor que jamais deveria ter perdido, não só financeiramente, mas como valor qualitativo também.

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SERVIÇO
Exposição 'Hiperfoco'
Período: de 25/09/2014, às 19h a 08/11/2014
Horário: de segunda a sábado, das 10h às 19h
Local: Galeria Ornitorrinco (Av. Pompeia, 520 – São Paulo – SP)
Tel.: (11) 2338-1156
Site: www.galeriaornitorrinco.com.br
E-mail: contato@galeriaornitorrinco.com.br
Entrada: Gratuita
Compras: através de pagamento em dinheiro ou cartão de débito/crédito.
cópias digitais a partir de R$50. originais, entre R$700 e R$2.000.

http://montalvomachado.com.br/

Sobre o autor

Orlando Pedroso é artista gráfico e ilustrador, trabalhou com praticamente todas as publicações da grande imprensa. Foi colaborador da Folha de S. Paulo de 1985 a 2011. Ilustrou mais de 60 livros infanto-juvenis e é co-autor de “Livro dos Segundos Socorros” e “Não Vou Dormir” – finalista do prêmio Jabuti de 2007 nas categorias “ilustração” e “melhor livro”. Foi vencedor do Prêmio HQ Mix de melhor ilustrador nos anos de 2001, 2005 e 2006. Expôs nas mostras individuais como “Como o Diabo Gosta”(1997) , “Olha o Passarinho!”(2001), “Uns Desenhos” e “Ôtros Desenhos” (2007). Em 2008, faz uma exposição retrospectiva de 30 anos de trabalho como artista convidado do 35º Salão de Humor de Piracicaba.- É autor dos livros Moças Finas, Árvres e do infantil Vida Simples, e membro do conselho da SIB – Sociedade dos Ilustradores do Brasil.

Sobre o blog

Este blog trata de artes gráficas, ilustração, cartum, quadrinhos e assuntos aleatórios.

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