trabalho de homem seta não é edificante
tiago estava prostrado. era perto de 16 horas e ele estava naquela esquina desde as 8 da manhã. se podia tirar uma foto, respondeu com um movimento curto de cabeça dizendo que sim.
agradecemos e desejamos bom trabalho.
"pra vcs também", disse ele.
mais pra frente, outro tiago.
trabalha durante a semana numa empreiteira "fantasma". está lá há 4 meses como ajudante de obra e já quer sair.
acabou de descobrir que a empresa faz um registro fajuto, não paga 13º, não recolhe fundo de garantia nem lhe dá nenhuma garantia.
marcos, também está torrando no sol fazendo ponto em frente a um restaurante na av. pompéia, em sp. está sem almoço e sabe que vai sair de lá sem comer.
o dono do restaurante disse que ele que não espere nada.
brigado com a família, pergunta onde vai sair a "reportagem".
não quer correr o risco de ser descoberto por parentes.
à noite vai para um abrigo público e só então vai comer algo.
leda, franzina e sem os dentes da frente, está desempregada e cuida dos pais e das crianças durante a semana.
sábado, cochilava numa ilha da r. abegoaria na zona oeste, debaixo de um sol escaldante em seu horário de almoço.
estes são somente quatro das centenas de homens e mulheres seta recrutados por empresas imobiliárias para ficarem sábado e domingo das 9h às 18h em esquinas faça sol, faça chuva balançando propagandas de apartamentos e escritórios que estão sendo levantados na cidade de são paulo.
o bico é uma variante do tradicional "homem sanduiche" do centro da cidade.
são 35 reais "seco", como disse o segundo tiago. se quiserem comer ou beber algo, têm que trazer.
morador de itaquera, só topa o sacrifício porque vem com a mulher que fica na esquina seguinte.
os 140 reais do fim de semana ajudam na conta da luz.
"35 é muito pouco. se fosse pelo menos 50… vê quanto custa um apartamento desses…", acrescentando que não reclama do "serviço".
e agora tem esse banquinho. foi uma conquista. antes nem isso. parece que saiu uma reportagem no fantástico e aí deram onde a gente se sentar."
mas essa não é a regra. na maior parte dos casos os seteiros ficam de pé por longas horas ou encostados em postes sem proteção alguma.
os empreendimentos imobiliários avançaram com toda a sede em muitos bairros da cidade e, do dia para a noite, casas e sobrados dão lugar a centenas de apartamentos, garagens e carros. muitos carros.
se tratarem suas construções como tratam seus garotos-propaganda, teremos que torcer muito para que a terra jamais balance por aqui.
a lei cidade limpa proíbe a propaganda de empreendimentos imobiliários na rua mas não é específico com relação aos homens seta.
dentro da lei ou não, adolescentes e idosos são submetidos a um trabalho ultrajante e humilhante. neste fim de semana, como em todas as outras, eles estarão lá largados nas esquinas da cidade tentando driblar um tempo que não passa.
homens-seta existem no país que diz que "país rico é país sem pobreza".
o primeiro tiago, imóvel, olhar caído, deve concordar com isso. talvez ele não tenha comido nada até aquela hora, talvez ele só esteja esperando os setentinha que vai receber na van antes de capotar num sono profundo até chegar em casa.
a certeza é que ele nunca vai sentir o cheiro da tinta do apartamento que ele, na humildade, anuncia numa esquina de são paulo.
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