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allan sieber raciona cores e humor em exposição no rio

Orlando

08/08/2013 08h00

falei com o allan pela primeira vez no início dos anos 2000, salvo engano. era o início de uma série de pequenas roubadas para as quais eu o convidaria ao longos dos anos.
muito trabalho e pouca remuneração, coisa que ele adora.
a verdade é que ele sempre foi um bom chapa e topou participar de várias dessas arapucas em que me meto e chamo amigos pra não ficar sozinho.
nos conhecemos pessoalmente tempos depois em algum desses eventos que nos convidam e que não conseguimos dizer não.
unidos pelas roubadas, portanto.

como boa parte dos gaúchos que conheci nesse tempo todo, o allan é um caxias. mesmo afundado na pior das ressacas ou com as encrencas da tosco, ele cumpre e entrega tudo no prazo.
é algo inexplicável mas é assim.
e é o bruto mais bonzinho que conheço, tudo teatro.
agora pai, reclama todo derretido.
posso estar sendo enganado mas, plis, não me contem. não quebrem a fantasia. :>)

well, de novo tentando escapar de mais uma dessas crises que dia-sim-dia-também assolam os artistas, allan procura outros caminhos para seu desenho inquieto e vem com a exposição "racionamento de cores" no la cucaracha, no rio de janeiro. apresenta 13 desenhos a 3 cores (vermelho, azul e amarelo) em papel fabriano usando ecoline e pastel oleoso. não são cartuns, sua marca forte. são desenhos com temas variados e livres.
sempre econômico no traço, gasta o verbo na entrevista abaixo:

blogdoorlando – vc faz parte de uma escola que faz de conta que o desenho não é uma coisa muito importante mas não é bem assim…
Allan – Nana-nina, Monsieur Pedroso. Digamos que para minha escola de humor o desenho é MUITO importante, e justamente por isso não pode ser pesado, arrastado, cheio de pinduricalhos inúteis. Tem que funcionar. Mas gosto do ato de desenhar e cada vez mais gosto do ato de desenhar quando este não envolve humor, ou melhor, não está a serviço do humor.

blogdoorlando – zimbres, adão e millôr trilham ou trilharam essa.
Allan – Engraçado, esses 3 que você citou, mestres sem sombra de dúvida   – apesar do Adão ter virado argentino, hahaha -, já foram acusados por filisteus de "não saberem desenhar". Sério mesmo, já ouvi mulas falando, "não, o Millôr, com aquele desenho porco e não sei o que", CARALHO!!!! Essa gente só a chibata educa, pelo amor de Deus. Fabio é meu pastor e nada me faltará. Desenhista, quer achar seu desenho um lixo? Olhe para os desenhos ou as pinturas do Fabio. Em QUALQUER fase.

blogdoorlando – o millôr, inclusive, dizia que os personagens é que iam ficando parecidos com as caricaturas do jaguar.
Allan – Eu acho que a tendencia é você ficar cada vez menos com medo do desenho. Ou melhor, sem respeito mesmo. É só um desenho. Você tem que desenhar todo dia, você sabe como deixar aquilo rapidamente decente e ao mesmo tempo continuar sincero. Esse papo de "levo dois dias pra fazer um desenho" é terrivel. Pra quem fala e pra quem ouve. Vá aproveitar melhor seu tempo, caro amiguinho punheteiro. Leia um livro, sei lá. O que eu vejo muito atualmente é gente que tem um desenho espetacular, um talento inato, dominam a tecnica, a anatomia , a distorção, mas… São burros feito uma porta. Quando abrem a boca é um desastre completo.

blogdoorlando – de minha parte, acho que vc se preocupa muito com o desenho ou com a estética do desenho como alguém que faz questão de ir desalinhado para uma festa. o quanto isso te preocupa?
Allan – Eu me preocupo, é fato. Com essa pergunta você demonstra ter senso estético e uma boa educação, coisa que qualquer bicha que se preze tem que ter mesmo. Existe uma coerência interna (não me peça para explicar) no meu desenho que eu sei que está lá. Quando não está, eu jogo fora. É bem simples, tipo uma fruta estragada, não serve pra nada. Eu me preocupo em descobrir gente que não conheço e voltar a quem me despertou alguma coisa. Nesse sentido atualmente tenho ido atrás de qualquer coisa do David Shrigley ou revendo o Basquiat. A Cynthia B, por exemplo,  é uma desenhista que tem um talento gigante, vendo o desenho dela eu aprendo muita coisa. O desenho dela é um cuspe, um tiro, não tem tempo pra bobagem. Ver ela desenhando então, é uma aula.

blogdoorlando – comum se dizer que o desenho é o transporte para uma idéia. essa mostra é uma exposição de desenhos ou de idéias?
Allan – Olha, faz tempo que quero fugir um pouco desse jugo do desenho atrelado ao humor, ou o desenho de humor, os bonecos caricatos, etc. Isso me atormenta já há algum tempo. O que fazer? Partir para abstração total? Foda-se a forma?Antes de cometer algum desatino, conversei por acaso com Lucas Peixão, galerista (Logo) que tem um olho muito bom e ele me falou mais ou menos o seguinte: Olha, Allan, seu trabalho sempre vai ter algo de humor ou crítica social, se você tentar fugir totalmente disso vai ser uma picaretagem danada.
A partir daí relaxei. E isso que nem tenho certeza se foi isso que Lucas disse ou se mesmo encontrei o Lucas nos últimos anos. Os remédios acabaram com minha memória.

blogdoorlando – é, pelo menos, um bom investimento? quanto vc acha que pode valer uma obra dessas depois  que vc morrer?
Allan – Sem dúvida é um bom investimento. Pra começar, o papel é Fabriano, dura algumas décadas numa boa. Veja bem. Quanto vai valer depois que eu morrer é dificil prever, mas o certo é que valerão a grana que eu tinha que ter recebido em vida: uma fortuna. Mas na La Cucaracha! vão estar baratos, na faixa de uns dois contos. O preço de um sapato caro. Eu acho que essas calças que o pessoal anda usando, com mil bolsos e cheias de furos, deve custar algo assim também. Ou seja: a classe C se fará presente na quinta e voltará pra casa com uma quadro legal pra colocar em cima da churrasqueira.

 

Sobre o autor

Orlando Pedroso é artista gráfico e ilustrador, trabalhou com praticamente todas as publicações da grande imprensa. Foi colaborador da Folha de S. Paulo de 1985 a 2011. Ilustrou mais de 60 livros infanto-juvenis e é co-autor de “Livro dos Segundos Socorros” e “Não Vou Dormir” – finalista do prêmio Jabuti de 2007 nas categorias “ilustração” e “melhor livro”. Foi vencedor do Prêmio HQ Mix de melhor ilustrador nos anos de 2001, 2005 e 2006. Expôs nas mostras individuais como “Como o Diabo Gosta”(1997) , “Olha o Passarinho!”(2001), “Uns Desenhos” e “Ôtros Desenhos” (2007). Em 2008, faz uma exposição retrospectiva de 30 anos de trabalho como artista convidado do 35º Salão de Humor de Piracicaba.- É autor dos livros Moças Finas, Árvres e do infantil Vida Simples, e membro do conselho da SIB – Sociedade dos Ilustradores do Brasil.

Sobre o blog

Este blog trata de artes gráficas, ilustração, cartum, quadrinhos e assuntos aleatórios.

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