Topo

Histórico

Categorias

vira lata sai da cadeia e invade a matilha cultural

Orlando

18/09/2012 00h03

blogdoorlando – como surgiu a idéia de se fazer estórias dentro do universo prisional?
Paulo Garfunkel – Veio de uma conversa com o Dr. Drauzio que já fazia um trabalho voluntário de redução de riscos no Carandiru no auge da epidemia de Aids nos anos 90.
Ele leu o Vira Lata que saiu nas bancas pela VHD DIffusion que editava a revista Animal.
O Vira Ø foi lançado em 91 na Bienal de Quadrinhos.

blogdoorlando – elas sempre foram pensadas para serem quadrinizadas?
Paulo Garfunkel –  Desde que  comecei a pensar na história de um cara filho da mesma mãe com pais de raças diferentes, eu já via como um HQ erótico e com trama de ação.
Sacanagem e pancadaria.

blogdoorlando – e a parceria entre você e o libero?
Paulo Garfunkel – Um dia, eu mostrei o roteiro pro Skowa, só o texto escrito como um folhetim de aventuras, aí perguntei se ele conhecia algum desenhista que pudesse fazer os quadrinhos.
Ele ligou pro Libero que disse que não poderia, porque estava embarcando pra Europa, mas perguntou ao Skowa:
"Que onda de desenho esse seu amigo tá pensando ?"
Quand eu disse: "Hugo Pratt", o Libero falou: "…espera que eu tô indo aí!"
Foi em 89, ficamos amigos. De lá pra cá, ás vezes a vida leva cada um pra um lado, mas é sempre divertido trabalhar em dupla com o Líbero, que é um puta artista.
Libero – Depois do telefonema do Skowa, fui pra casa do Magrão e ele leu uma sequência chamada "Batismo de Fogo" . Tinha sangue pra todo lado . Pensei "não é a minha cara", mas resolvi tentar fazer , por querer muito fazer um dia uma HQ e por reconhecer a qualidade do texto e da história. Quando fui tentar desenhar o sangue escorreu que nem tinta, extravasava algo de mim com certeza. Sempre li quadrinhos de ação e foi um prazer desenhar as lutas e a sacanagem. Além do que abracei a idéia do personagem, um anti herói do submundo brasileiro , miscigenado, portador de várias culturas e raizes espirituais, um herói do povo.

blogdoorlando – os personagens, apesar de brasileiros, têm características próximas aos do manara. isso foi proposital?
Paulo Garfunkel – Dentro e fora dos quadrinhos, que mulheres  são melhores que as dele ?
Libero – muita gente acha que o Manara é minha principal influência, mas não é. Claro que é um puta desenhista fenomenal e que suas mulheres e trepadas são de arrasar. Até copiei uns desenhos dele – admito sem problema, pois não é fácil ter de desenhar 60 páginas com um cachê pequeno – então tomei umas idéias emprestadsa pra levar para um público que não conhecia nada disso, que nunca leu nada – os presos, a bandidagem mesmo.
Só que nunca o tive como modelo. Meus ídolos pra valer são o Hugo Pratt (como a história da minha amizade com o Paulo mostra bem), o Kirby (sensacional!) e o Moebius que, este sim , acho que deixou uma marca no meu traço pra sempre (Se Deus quiser, aliás). Mais tarde descobri o Crumb que é absolutamente genial.
O Vira Lata foi uma espécie de faculdade de desenho e narrativa pra mim, foi ali que aprendi a me comunicar graficamente e a história inédita do álbum, a última, é , pra mim, como se fosse uma formatura mesmo. Nela cheguei , sem pensar muito, mais perto do estilo do Pratt, que acho maravilhoso.
Quanto a desenhar mulher bonita, isso é bom demais mesmo.

blogdoorlando – como as revistas foram recebidas dentro da prisão?
Paulo Garfunkel – Os caras gostavam, davam palpites pras próximas aventuras, às vezes reclamavam de um enredo mais complexo ou de uma diagramação menos convencional.
Nos dias de distribuição, corríamos por todas as celas entregando uma revista pra cada preso.
Na cadeia não pode haver diferença. eram 7.700 caras. Demorava entre 3 e 4 horas a distribuição.
Eles pegavam o gibi e já saíam lendo.
"Porra, esse Vira Lata tá sempre no cio!" comentou uma vez um malandro.

blogdoorlando – qual a participação do drauzio varella no processo de criação?
Paulo Garfunkel – Decidíamos juntos qual tema seria abordado naquela edição como: crack, tuberculose, ou drogas injetáveis, etc…
Aí eu escrevia o roteiro, o Líbero quadrinizava,  e antes da finalização líamos os três juntos, pra corrigir algum ponto e esclarecer procedimentos de prevenção.
Sempre sem adotar um tom didático e erotizando o uso da camisinha.
Como diz o Dr Drauzio: "É uma revista de sacanagem com supervisão científica!"
Já na terceira ou quarta revista aparecia o próprio, desenhado nos momentos mais calientes, dando as dicas:
"Vai dar a segunda, herói ? Outra camisinha!"

blogdoorlando – dos anos 90 pra cá, o que mudou quanto à questão da aids dentro das cadeias?
Paulo Garfunkel – Nas cadeias é como aqui fora, só que mais concentrado.
Agora, a   Aids já não mata tanto, o "baque", como era chamada  a cocaína injetável caiu de moda, o que do ponto de vista da disseminação do HIV é uma vantagem.
Mas agora  é a vez do crack, que desestrutura mais rapidamente o usuário.
O nóia  causa muita confusão na cadeia, porque perde o discernimento e atravessa o samba.
E o código de conduta da malandragem é muito rígido.
"Lá fora, a lei caduca. Aqui dentro, não. O cara pisou na bola, um dia ele vai pagar."

blogdoorlando – e agora sai um coletânea pela editora peixe grande com lançamento na matilha cultural. como rolou isso e o que tem nele?
algo inédito?
Paulo Garfunkel – Pois agora, 21 anos depois do lançamento primeiro ViraLata, 10 anos depois da implosão do Carandiru, nos aparece o Toninho Mendes, o lendário editor da revista Circo, com a idéia de fazer essa  coletânea.
Tá aí, um almanacão de 440 páginas, contendo a história que saiu pela Animal, que mostra parte da Gênesis do herói, mais as 7 revistas que só circularam na cadeia, um dossie organizado pelo Toninho, que conta a trajetória do Vira-Lata dentro e fora das grades e, de lambuja, uma aventura inédita ambientada na Amazônia.

blogdoorlando – existe a possibilidade de esta saga continuar ainda em algum momento futuro ou vocês etão fechando um ciclo?
Paulo Garfunkel – Tem muita história do Vira Lata pela frente. O argumento ganhou um prêmio de incentivo do PROAC pra criação do roteiro de um longa metragem de animação.
O roteiro tá pronto e estamos correndo atrás da papelada da Ancine.
Tem um projeto de série de TV.
E eu continuo escrevendo passagens da vida do Vira Lata pra futuros gibis.
Libero – Não sei o que acontece agora como Vira Lata, mas é um prazer grande vê-lo fora das grades e sempre vou gostar de desenhá-lo. Acho importante dizer que desenhos do Vira no blog dele já aparecem no traço de outros artistas . O Yuri Garfunkel e o Bruno Mestriner da Sopa Grafix e isso aumenta nosso leque de possibilidades.

serviço:

lançamento do álbum vira lata
de paulo garfunkel e libero malavoglia
supervisão científica de drauzio varella
editora peixe grande
r$69

dia 18 de setembro
das 18h às 22h

matilha cultural
r. rego freitas, 542
v. buarque – sp
fone: 11 3256 2636

Sobre o autor

Orlando Pedroso é artista gráfico e ilustrador, trabalhou com praticamente todas as publicações da grande imprensa. Foi colaborador da Folha de S. Paulo de 1985 a 2011. Ilustrou mais de 60 livros infanto-juvenis e é co-autor de “Livro dos Segundos Socorros” e “Não Vou Dormir” – finalista do prêmio Jabuti de 2007 nas categorias “ilustração” e “melhor livro”. Foi vencedor do Prêmio HQ Mix de melhor ilustrador nos anos de 2001, 2005 e 2006. Expôs nas mostras individuais como “Como o Diabo Gosta”(1997) , “Olha o Passarinho!”(2001), “Uns Desenhos” e “Ôtros Desenhos” (2007). Em 2008, faz uma exposição retrospectiva de 30 anos de trabalho como artista convidado do 35º Salão de Humor de Piracicaba.- É autor dos livros Moças Finas, Árvres e do infantil Vida Simples, e membro do conselho da SIB – Sociedade dos Ilustradores do Brasil.

Sobre o blog

Este blog trata de artes gráficas, ilustração, cartum, quadrinhos e assuntos aleatórios.

Blog do Orlando